Compreendendo a Varicela em Adultos: Um Estudo de Caso Detalhado do Massachusetts General Hospital. a34

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Este relato de caso descreve uma mulher de 56 anos que desenvolveu uma erupção cutânea pruriginosa generalizada e dor de garganta após residir em um abrigo para pessoas em situação de rua. Apesar da suspeita inicial de infecções parasitárias, como escabiose ou pediculose, o exame detalhado e os exames complementares revelaram tratar-se de varicela (catapora), um diagnóstico raro em adultos devido aos programas de vacinação na infância. O caso evidencia como vieses diagnósticos podem afetar populações marginalizadas e reforça a importância de considerar apresentações atípicas de doenças comuns.

Varicela em Adultos: Um Estudo de Caso Detalhado do Massachusetts General Hospital

Sumário

Apresentação do Caso: A História da Paciente

Uma mulher de 56 anos chegou ao pronto-socorro com dor de garganta e erupção cutânea generalizada que surgiu em dois dias. Ela relatou coceira intensa no tórax, mas só notou as lesões faciais ao se olhar no espelho de um banheiro público.

A paciente morava em um abrigo para pessoas em situação de rua e observou que outros residentes também se coçavam com frequência. Ela ouviu funcionários comentarem sobre piolhos e sarna, mas não teve contato com novos sabões, detergentes ou ambientes externos. Seu histórico médico incluía depressão com psicose, dislipidemia e esteato-hepatite associada a disfunção metabólica.

Ela fazia uso de risperidona (antipsicótico) e benztropina (para efeitos colaterais de antipsicóticos). Não apresentava febre, dificuldade respiratória ou sintomas neurológicos, o que ajudou a reduzir as possíveis causas de sua condição.

Achados do Exame Físico

No exame, a paciente tinha temperatura de 38,4°C, indicando febre baixa. Os demais sinais vitais estavam normais: pressão arterial de 134/72 mm Hg, pulso de 83 bpm, frequência respiratória de 16 rpm e saturação de oxigênio de 96% em ar ambiente.

O exame de pele revelou:

  • Pápulas rosadas difusas na testa, nariz, bochechas e queixo
  • Uma úlcera na gengiva superior anterior
  • Pápulas escoriadas e vesículas nas costas, tórax e abdome
  • Lesões nas dobras cutâneas abaixo das mamas e na virilha
  • Pápulas rosadas no dorso e nas palmas das mãos

Os exames laboratoriais mostraram enzimas hepáticas levemente elevadas: AST 44 U/L (normal 9-32) e ALT 60 U/L (normal 7-33). A contagem de leucócitos foi de 5.300 células/μL, com 5,3% de linfócitos atípicos (comuns em infecções virais).

Diagnóstico Diferencial: O Que Poderia Ser?

A equipe considerou várias causas para os sintomas. Dada a situação de rua e a coceira, infecções parasitárias foram inicialmente avaliadas. No entanto, a presença de vesículas, lesões faciais e úlceras orais sugeriu que outras possibilidades deveriam ser consideradas.

O processo diagnóstico exigiu cuidado para evitar o viés de focar apenas em condições comuns em populações marginalizadas.

Como a Situação de Rua Afeta a Saúde da Pele

Pessoas em situação de rua têm maior risco de condições dermatológicas devido ao acesso limitado a higiene, ambientes coletivos e barreiras ao cuidado de saúde. Espaços compartilhados aumentam o risco de infestações parasitárias, enquanto condições crônicas como eczema e psoríase costumam ficar sem tratamento.

O uso de substâncias, especialmente drogas injetáveis, pode elevar a suscetibilidade a infecções cutâneas. Doenças transmissíveis se espalham mais rapidamente nessa população, principalmente em abrigos.

Esses fatores tornaram as infestações parasitárias uma consideração inicial, mas a equipe reconheceu a necessidade de buscar outras causas para um diagnóstico preciso.

Possibilidades de Infecção Parasitária

A equipe avaliou três possibilidades parasitárias:

Sarna: Causada pelo ácaro Sarcoptes scabiei, geralmente provoca galerias, pápulas vermelhas e escoriações entre os dedos, pulsos, axilas e genitais. Embora plausível devido à coceira e exposição no abrigo, o envolvimento facial e as vesículas eram atípicos.

Piolho Púbico (chato): Esses parasitas se fixam aos pelos pubianos, axilas ou cílios. Afetam 0,3-4,6% da população global, mas não causariam erupção generalizada ou vesículas.

Piolho do Corpo: Comum em pessoas em situação de rua (19,1% a 68,0% de prevalência), causa pápulas pruriginosas e escoriações. No entanto, as vesículas e o envolvimento facial não eram característicos.

O Perigo do Viés Diagnóstico

A equipe discutiu o viés de ancoragem — a tendência de focar em informações iniciais sem ajustar com novos dados. Esse viés pode ser especialmente problemático ao avaliar populações marginalizadas, ampliando disparidades em saúde.

Neste caso, focar apenas em infestações parasitárias poderia ter atrasado o diagnóstico de uma infecção potencialmente transmissível. Reconhecer esse viés foi crucial para a precisão diagnóstica.

Considerações sobre Infecções Virais

A equipe avaliou várias possibilidades virais:

Sarampo: A erupção da paciente não apresentava as manchas coalescentes ou manchas de Koplik típicas. Um surto no Oeste do Texas em 2025 registrou 327 casos, com 40 hospitalizações e uma morte.

Rubéola: Causa erupção branda e inchaço de linfonodos, mas vesículas e úlceras orais não são características.

Infecção Aguda pelo HIV: Pode causar febre, dor muscular e erupção, mas a paciente não apresentava os múltiplos sintomas associados.

Vírus do Herpes Simples (VHS): Geralmente causa aglomerados localizados de bolhas, não distribuição generalizada.

Mpox (varíola dos macacos): Provoca lesões profundas e umbilidadas, que não correspondiam ao padrão observado.

Vírus Varicela-Zoster (VVZ): A combinação de vesículas, úlceras orais, lesões polimórficas e enzimas hepáticas elevadas apontava para varicela, rara em adultos, mas potencialmente grave.

Diagnóstico Final e Testes

Uma biópsia de pele do tórax revelou infecção por VVZ:

  • Alterações vesiculares e acantolíticas na epiderme e folículos pilosos
  • Necrose epidérmica acentuada
  • Efeitos citopáticos virais, incluindo multinucleação e marginação da cromatina
  • Coloração imuno-histoquímica positiva para VVZ
  • Coloração negativa para VHS-1 e VHS-2

O teste de ácido nucleico confirmou DNA de VVZ na amostra, descartando herpesvírus. A cultura bacteriana mostrou apenas flora cutânea normal. O teste sorológico não detectou anticorpos IgM ou IgG para VVZ, confirmando infecção primária sem imunidade prévia.

A ausência de anticorpos sugeriu que o exame foi feito antes da resposta imunológica mensurável, que geralmente leva 2-5 dias após o surgimento da erupção.

Tratamento e Implicações para a Saúde Pública

O diagnóstico de varicela em adulto traz implicações significativas para tratamento e controle de infecção. Adultos têm maior risco de complicações graves, como hepatite e pneumonite.

O manejo exigiu três etapas: identificação, isolamento e compartilhamento de informações. Foram implementadas medidas rigorosas:

  • Isolamento em quarto com pressão negativa
  • Precauções com aerossóis e contato
  • Uso de respiradores, aventais e luvas pela equipe

O caso destaca que, embora a maioria dos adultos seja imune à varicela, alguns permanecem suscetíveis. A vacinação infantil reduz drasticamente os casos, mas pode tornar os clínicos menos familiarizados com apresentações em adultos.

A transmissão do VVZ ocorre por contato direto com lesões ou inalação de gotículas. Lesões cutâneas também podem aerosolizar, exigindo isolamento rigoroso. Episódios repetidos são raros, mas possíveis.

Este caso reforça a importância de considerar apresentações incomuns de doenças comuns, especialmente em populações marginalizadas sujeitas a vieses. O atraso de 24 horas no diagnóstico sublinha a necessidade de vigilância contínua, mesmo para condições menos frequentes devido à vacinação.

Informações da Fonte

Título do Artigo Original: Caso 12-2025: Uma Mulher de 56 Anos com Dor de Garganta e Erupção Cutânea

Autores: John Trinidad, M.D., M.P.H.; Kimon C. Zachary, M.D.; Ting Zhao, M.D.

Publicação: The New England Journal of Medicine, 24 de abril de 2025; 392:1637-45

DOI: 10.1056/NEJMcpc2412522

Este artigo em linguagem acessível é baseado em pesquisa revisada por pares da série Registros de Casos do Massachusetts General Hospital.