O câncer de origem primária desconhecida é um diagnóstico desafiador, em que a doença já se espalhou pelo corpo, mas os médicos não conseguem identificar seu ponto de origem. Este artigo detalha como os profissionais avaliam e tratam essa condição, utilizando métodos avançados de investigação, como perfil molecular e imunoterapia. Pacientes com esse diagnóstico geralmente enfrentam decisões complexas sobre investigação e tratamento, mas avanços recentes trazem novas esperanças por meio de terapias direcionadas e ensaios clínicos.
Compreendendo o Câncer de Origem Primária Desconhecida: Guia do Paciente para Diagnóstico e Tratamento
Sumário
- Introdução: O Desafio Clínico
- O Problema Clínico
- Pontos-Chave Sobre o Câncer de Origem Primária Desconhecida
- Processo de Avaliação Clínica
- Imunofenotipagem: Como os Patologistas Identificam os Tipos de Câncer
- Perfil Molecular: Testes Genéticos Avançados
- Abordagens e Estratégias de Tratamento
- Prognóstico e Perspectiva de Sobrevida
- Recomendações Clínicas para Pacientes
- Informações da Fonte
Introdução: O Desafio Clínico
Imagine uma mulher de 47 anos, previamente saudável, que desenvolve distensão abdominal e desconforto que piora ao longo de três meses. O exame físico revela distensão abdominal com acúmulo de líquido (ascite). Os exames laboratoriais mostram anemia (nível de hemoglobina de 10,4 g/dL, sendo o normal 12,0-14,0), marcadores tumorais elevados (CA-125 em 168 U/mL, normal <38; CEA em 14,7 ng/mL, normal <3,8), e a tomografia computadorizada evidencia tumores no fígado, linfonodos e revestimento abdominal, além da ascite.
Uma biópsia identifica carcinoma pouco diferenciado, com marcadores proteicos que sugerem origem gastrointestinal, mas exames complementares — incluindo mamografia, colonoscopia e endoscopia — não localizam o tumor primário. O perfil molecular também não identifica o tecido de origem. Este caso ilustra o complexo desafio enfrentado por pacientes e médicos diante do câncer de origem primária desconhecida.
O Problema Clínico
O câncer de origem primária desconhecida é um dos diagnósticos mais desafiadores em oncologia. O termo se refere a um grupo diverso de cânceres que, quando detectados, já se espalharam (metástases), mas cujo local de origem permanece oculto mesmo após a realização de exames padrão. Pacientes com esse diagnóstico geralmente demandam mais recursos de saúde, como exames adicionais, visitas a pronto-socorro e internações, em comparação com aqueles que têm cânceres primários conhecidos.
Essa condição corresponde a 2-4% de todos os cânceres, com cerca de 37.370 novos casos esperados nos Estados Unidos em 2025. A incidência global varia entre 2 e 15 casos por 100.000 pessoas/ano, e as taxas vêm diminuindo graças a métodos diagnósticos aprimorados e ao perfil molecular, que permitem identificar melhor os sítios primários.
Os fatores de risco incluem tabagismo, consumo de álcool, diabetes e histórico familiar de câncer. Os pacientes costumam apresentar sintomas de envolvimento metastático, e as imagens revelam principalmente adenocarcinomas (59% dos casos), carcinomas pouco diferenciados ou indiferenciados (31%) e carcinomas escamosos (9%). O câncer se espalha para múltiplos sítios (33% dos casos), fígado (25%) ou linfonodos (7%), entre outras localizações.
Pontos-Chave Sobre o Câncer de Origem Primária Desconhecida
Algumas informações importantes que os pacientes devem conhecer sobre essa condição:
- Natureza heterogênea: Representa um grupo diverso de cânceres metastáticos em que o local de origem permanece não identificado após exames padrão.
- Avaliação abrangente necessária: O diagnóstico exige histórico detalhado, exame físico, exames laboratoriais, imagem (preferencialmente tomografias computadorizadas com contraste) e análise patológica minuciosa de amostra tumoral adequada.
- Testes avançados: Embora a imunofenotipagem (análise de marcadores proteicos) continue central para o diagnóstico, o perfil molecular agora tem papel fundamental na predição do tecido de origem e na identificação de alterações genéticas-alvo.
- Opções de tratamento: Tanto a terapia específica por sítio (baseada no local primário suspeito) quanto a quimioterapia empírica (esquemas padrão com platina) são abordagens válidas.
- Desafios prognósticos: O prognóstico geral permanece reservado, e a participação em ensaios clínicos deve ser incentivada.
Processo de Avaliação Clínica
O processo diagnóstico para o câncer de origem primária desconhecida começa com uma avaliação abrangente para tentar localizar qualquer lesão primária. No entanto, a extensão dos exames pode ser limitada por restrições de recursos, outras condições médicas e a urgência do tratamento, ditada pela rapidez da progressão da doença.
A avaliação clínica inicia-se com uma anamnese cuidadosa, incluindo histórico familiar e pessoal de câncer. Exame físico e exames laboratoriais básicos ajudam a direcionar a investigação. Todos os pacientes devem realizar exames de imagem, de preferência tomografias computadorizadas com contraste do tórax, abdome e pelve.
Métodos diagnósticos adicionais podem incluir PET scan, ressonância magnética, mamografia, ultrassom testicular (em homens jovens com linfadenopatia de linha média) ou procedimentos invasivos como endoscopia, colonoscopia, broncoscopia, laringoscopia ou cistoscopia. Esses são indicados com base em sintomas, achados de imagem ou resultados patológicos que sugiram uma possível origem primária.
Como nenhum exame isolado é altamente eficaz devido à natureza atípica desses cânceres, é crucial desenvolver um plano de tratamento baseado na apresentação geral da doença e na expertise de uma equipe multidisciplinar.
Imunofenotipagem: Como os Patologistas Identificam os Tipos de Câncer
O exame microscópico do tecido tumoral com imunofenotipagem (análise de marcadores proteicos) continua sendo a base do diagnóstico do câncer de origem primária desconhecida. A precisão do teste imuno-histoquímico para determinar o tipo de tecido é alta, especialmente quando há amostra tumoral adequada disponível.
Os patologistas costumam usar uma média de 8,8 colorações proteicas diferentes (variando de 0 a 20) na avaliação de tumores metastáticos. Infelizmente, quase dois terços dos pacientes terão tecido insuficiente para perfil molecular durante o acompanhamento, devido à quantidade de exames necessários.
Apesar da forte dependência do teste imuno-histoquímico, sua precisão em identificar um órgão primário é limitada, principalmente em tumores pouco diferenciados. Como nenhuma coloração proteica isolada identifica definitivamente a origem do tecido, os patologistas frequentemente usam um painel de testes realizados sequencialmente. No futuro, métodos de aprendizado profundo podem melhorar a determinação do tecido de origem.
Perfil Molecular: Testes Genéticos Avançados
O perfil molecular tem duas funções importantes no câncer de origem primária desconhecida: predizer um sítio primário putativo (perfil do tecido de origem) e identificar alterações genéticas-alvo passíveis de terapias direcionadas.
Vários testes de tecido de origem foram desenvolvidos com base na premissa de que esses cânceres compartilham características com metástases de sítios primários conhecidos. Esses ensaios analisam RNA, microRNA, DNA e padrões de metilação, combinados com aprendizado de máquina, alcançando taxas de precisão que variam de 65% a 99% na predição do tecido de origem.
Dentre essas estratégias, apenas o perfil de expressão gênica foi avaliado em ensaios randomizados, com resultados mistos. Esse teste avançado representa um avanço significativo no manejo dessa condição desafiadora.
Abordagens e Estratégias de Tratamento
O tratamento para a maioria dos pacientes com câncer de origem primária desconhecida é primariamente paliativo, devido à natureza disseminada da doença — exceto por um pequeno subgrupo com metástase única ou limitada, em que uma abordagem multidisciplinar com radioterapia ou cirurgia pode ser potencialmente curativa.
Terapia Específica por Sítio e Perfil Molecular
Pacientes com padrões característicos semelhantes a cânceres específicos conhecidos podem ser tratados conforme as diretrizes para esses tumores. Por exemplo:
- Metástases ósseas blásticas com PSA elevado em homens → tratados como câncer de próstata
- Carcinoma seroso com envolvimento peritoneal em mulheres → tratado como câncer de ovário
- Carcinoma com linfadenopatia axilar isolada em mulheres → tratado como câncer de mama
- Carcinoma de células escamosas com linfadenopatia cervical → tratado como câncer de cabeça/pescoço
Para cânceres com características moleculares específicas:
- Mutação BRAF V600E → tratado com dabrafenibe e trametinibe
- Fusões NTRK → tratado com entrectinibe, larotrectinibe ou repotrectinibe
- Amplificação HER2 → tratado com trastuzumabe deruxtecano
- Deficiência de reparo de incompatibilidade → tratado com inibidores de PD-1/PD-L1
- Alta carga mutacional tumoral → tratado com pembrolizumabe
Vários estudos retrospectivos e ensaios prospectivos investigaram o benefício da terapia específica por sítio versus quimioterapia empírica, com resultados conflitantes. Dois ensaios multicêntricos (CUP-NGS com 130 pacientes e GEFCAPI 04 com 395 pacientes) estão atualmente avaliando tratamento guiado por perfil molecular versus quimioterapia empírica.
Prognóstico e Perspectiva de Sobrevida
O câncer de origem primária desconhecida tem sido classificado em subconjuntos "favoráveis" e "desfavoráveis", embora essas categorias estejam evoluindo com os avanços em diagnósticos moleculares e terapias direcionadas. O subconjunto favorável compreende cerca de 20% dos casos e está associado a melhor prognóstico que o desfavorável.
O maior subconjunto desfavorável está associado a sobrevida pobre, embora melhorias modestas tenham sido observadas recentemente. Os desfechos de sobrevida parecem piores que os de cânceres metastáticos de sítio primário conhecido, sugerindo um comportamento mais agressivo.
Fatores prognósticos negativos incluem:
- Sexo masculino
- Estado de performance ruim
- Histologia de adenocarcinoma
- Alto número de metástases
- Metástases hepáticas ou peritoneais
- Alta razão neutrófilo-linfócito
- Alterações moleculares específicas (mutações KRAS ou NRAS, deleção CDKN2A)
Recomendações Clínicas para Pacientes
Com base nas evidências atuais, pacientes com câncer de origem primária desconhecida devem:
- Realizar avaliação abrangente: Histórico completo, exame físico, exames laboratoriais e imagem (preferencialmente tomografia com contraste de tórax, abdome e pelve).
- Assegurar amostra tecidual adequada: Biópsia por agulha grossa é preferível para preservar a arquitetura do tecido e permitir testes extensivos.
- Receber cuidado multidisciplinar: Colaboração entre oncologistas, patologistas e outros especialistas é essencial.
- Considerar perfil molecular: Pode ajudar a predizer o tecido de origem e identificar alterações-alvo.
- Discutir opções de tratamento: Tanto terapia específica por sítio quanto quimioterapia empírica são abordagens válidas.
- Explorar ensaios clínicos: A participação em estudos de pesquisa deve ser incentivada, dado o prognóstico reservado.
- Buscar suporte paliativo: O manejo de sintomas e as considerações sobre qualidade de vida são componentes importantes do cuidado.
Informações da Fonte
Título do Artigo Original: Câncer de Origem Primária Desconhecida
Autor: Kanwal Raghav, M.D.
Publicação: The New England Journal of Medicine, 2025;392:2035-47
DOI: 10.1056/NEJMcp2402691
Este artigo voltado para pacientes é baseado em pesquisa revisada por pares originalmente publicada no The New England Journal of Medicine. Mantém todas as descobertas significativas, dados e recomendações clínicas do trabalho original, tornando as informações acessíveis para pacientes e cuidadores.