Desvendando a Encefalite por Anti-Receptor NMDA: O Mistério Médico de uma Jovem Mulher.

Desvendando a Encefalite por Anti-Receptor NMDA: O Mistério Médico de uma Jovem Mulher.

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Este relato de caso descreve a trajetória clínica de uma mulher de 19 anos que apresentou convulsões súbitas, alterações de fala e sintomas psiquiátricos. Após investigação extensa e múltiplas internações, foi diagnosticada com encefalite por anticorpos anti-receptor de NMDA (N-metil-D-aspartato), uma condição autoimune rara em que o organismo ataca células cerebrais. O quadro foi desencadeado por um teratoma ovariano (um tipo de tumor), e os sintomas melhoraram significativamente após a remoção do tumor e tratamento com imunoterapia.

Compreendendo a Encefalite Anti-Receptor NMDA: Um Mistério Médico em uma Mulher Jovem

Sumário

Apresentação do Caso: Início Súbito dos Sintomas

Uma mulher de 19 anos, previamente saudável, foi admitida no Massachusetts General Hospital após apresentar sintomas preocupantes por 10 dias. Seus problemas começaram com fala arrastada, tremores intermitentes e dormência no braço direito. Sete dias antes da internação, testemunhas relataram que ela desmaiou em uma plataforma de metrô, apresentando tremores generalizados.

Quando os serviços de emergência chegaram, ela estava confusa, salivando e havia mordido a língua. Durante o transporte de ambulância para o pronto-socorro de outro hospital, ela recuperou gradualmente a consciência, mas não se lembrava do incidente no metrô. Seus sinais vitais e exame físico iniciais estavam normais, mas exames de sangue revelaram níveis elevados de lactato (13,9 mmol/L; valores de referência: 0,7-2,1 mmol/L) e creatina quinase (84 U/L; valores de referência: 30-135 U/L).

Outros exames de sangue, incluindo eletrólitos, glicose, enzimas hepáticas, função renal e hemograma completo, estavam normais. Exames de imagem cerebral — tanto tomografia computadorizada (TC) quanto ressonância magnética (RM) sem contraste — não mostraram anormalidades. Apesar dos resultados normais, ela foi internada para observação.

Evolução Hospitalar Inicial e Investigação

No primeiro dia de internação no hospital externo, a paciente apresentou três episódios súbitos de medo e pavor intensos, cada um seguido por tremores generalizados com duração de 60 a 90 segundos. Durante o terceiro episódio, ela parou de respirar e sua saturação de oxigênio caiu para 50% em ar ambiente. A equipe médica administrou oxigênio suplementar e iniciou tratamento com lorazepam e levetiracetam intravenosos (medicações anticonvulsivantes).

No segundo dia, os médicos adicionaram lamotrigina (outro anticonvulsivante) ao esquema terapêutico. Ela continuou apresentando episódios de fala gaguejante. Um eletroencefalograma (EEG) realizado no terceiro dia não mostrou atividade epiléptica. Ela recebeu alta no quinto dia com orientação para continuar levetiracetam e lamotrigina, além de acompanhamento com neurologia.

A caminho de casa, seus pais notaram movimentos rítmicos da boca e tremores no braço direito. Quando falavam com ela, ela olhava fixamente sem responder. Eles retornaram ao pronto-socorro, onde ela não conseguia falar, mas se comunicava digitando no telefone. Foi reinternada no hospital externo, onde apresentou mutismo intermitente e espasmos no lado direito. Outro EEG foi normal, e ela recebeu alta após três dias.

Um dia após a segunda alta, os sintomas persistiram, com dormência no braço direito, espasmos e mutismo intermitente. Seus pais a levaram ao pronto-socorro do Massachusetts General Hospital para avaliação adicional.

Diagnóstico Diferencial: Considerando Todas as Possibilidades

A equipe médica abordou sua apresentação complexa agrupando os sintomas em três categorias: atividade similar a crises convulsivas, catatonia (condição neuropsiquiátrica que afeta movimento e comportamento) e sintomas psicóticos. O colapso inicial com tremores, confusão e lactato elevado sugeriram crises generalizadas. Os sintomas no lado direito e a sensação de pavor foram consistentes com crises focais originárias do lobo parietal esquerdo.

Entretanto, vários fatores não se encaixavam em distúrbios convulsivos típicos: os sintomas persistiram apesar das medicações anticonvulsivantes, e os EEGs repetidos não mostraram atividade epiléptica. Seus comportamentos bizarros, padrões variáveis de fala e mutismo ocasional sugeriram catatonia. O pensamento desorganizado e a sensação de fragmentação mental apontaram para sintomas psicóticos.

A equipe considerou e descartou sistematicamente várias possibilidades:

  • Psicose induzida por substâncias: Improvável devido à persistência dos sintomas em ambiente hospitalar controlado
  • Infecções: Vírus do herpes simplex (HSV), doença de Lyme, tuberculose e neurocisticercose foram considerados, mas descartados por exames
  • Condições autoimunes: Esclerose múltipla, lúpus e vasculite eram improváveis devido à imagem normal e ausência de sintomas característicos
  • Distúrbios metabólicos/endócrinos: Exames de sangue normais descartaram a maioria das possibilidades
  • Condições genéticas: Doença de Wilson era improvável sem sintomas hepáticos

A equipe finalmente focou na encefalite autoimune, particularmente na encefalite anti-receptor NMDA, que comumente se apresenta com sintomas psiquiátricos, crises convulsivas e distúrbios de movimento em mulheres jovens. Essa condição frequentemente está associada a teratomas ovarianos e pode apresentar RM cerebral normal (em até 50% dos casos).

Diagnóstico Final e Abordagem Terapêutica

A equipe chegou a um diagnóstico presuntivo de encefalite anti-receptor NMDA enquanto aguardava testes confirmatórios de anticorpos. Realizaram uma punção lombar que mostrou 19 leucócitos por microlitro (normal: 0-5) com 89% de linfócitos, sugerindo inflamação no sistema nervoso central. Os níveis de glicose e proteína no líquido cefalorraquidiano (LCR) estavam normais.

Iniciaram tratamento empírico com metilprednisolona intravenosa (esteroide) no terceiro dia de internação, seguido por imunoglobulina intravenosa (IVIG) no sexto dia. Esses tratamentos imunossupressores visam reduzir os anticorpos que atacam os receptores NMDA no cérebro. Exames de imagem revelaram uma massa ovariana de 17 centímetros contendo gordura, calcificações e tecido mole, consistente com teratoma imaturo.

No sétimo dia de internação, a paciente foi submetida à cirurgia para remoção do ovário e trompa de Falópio esquerdos (salpingo-ooforectomia) e remoção de cisto no ovário direito (cistectomia). O exame patológico confirmou o diagnóstico, mostrando tecido de teratoma imaturo com componentes neuroepiteliais primitivos.

Achados Patológicos: Confirmando a Causa

As amostras cirúrgicas revelaram achados significativos. O ovário esquerdo media 16,5 centímetros e continha tecido maduro das três camadas germinativas (ectoderma, mesoderma e endoderma), característico de teratomas. Criticamente, também apresentou tecido neuroepitelial imaturo correspondendo a aproximadamente 70% do volume tumoral, com células primitivas mostrando atividade mitótica intensa.

Além disso, a patologia mostrou componentes consistentes com tumor do saco vitelino, representando cerca de 30% do volume tumoral. A coloração imuno-histoquímica foi positiva para glicpican-3 tanto nos componentes de teratoma imaturo quanto de tumor do saco vitelino. No 11º dia de internação, testes séricos confirmaram a presença de anticorpos contra a subunidade NR1 do receptor de glutamato NMDA, confirmando definitivamente o diagnóstico de encefalite anti-receptor NMDA.

Implicações Clínicas para Pacientes

Este caso ilustra vários pontos clínicos importantes para pacientes e famílias que enfrentam sintomas semelhantes. A encefalite anti-receptor NMDA tipicamente afeta mulheres jovens e frequentemente se apresenta com sintomas psiquiátricos, crises convulsivas, distúrbios de movimento e alterações cognitivas. A condição pode ser confundida com doença psiquiátrica primária, mas a presença de sintomas neurológicos deve levar à consideração de causas autoimunes.

O diagnóstico e tratamento precoces são críticos para melhores desfechos. A condição está frequentemente associada a teratomas ovarianos (em aproximadamente 50% das mulheres jovens com esse diagnóstico), tornando a imagem pélvica parte essencial da investigação. O tratamento envolve imunoterapia (esteroides e IVIG) e remoção de qualquer tumor associado, o que frequentemente leva à melhora significativa dos sintomas.

Pacientes e famílias devem saber que a recuperação pode ser prolongada, frequentemente levando meses a anos, e pode exigir reabilitação extensiva. Entretanto, com tratamento apropriado, cerca de 80% dos pacientes alcançam boa recuperação funcional, embora alguns possam ter sequelas cognitivas ou comportamentais.

Limitações e Desafios Diagnósticos

Este caso destaca vários desafios diagnósticos. Os achados iniciais normais de EEG e RM atrasaram o diagnóstico, pois esses exames são frequentemente normais na fase inicial da encefalite anti-receptor NMDA. Os sintomas psiquiátricos inicialmente ofuscaram os aspectos neurológicos, demonstrando a complexidade desses casos.

O teste de anticorpos para receptores NMDA leva 7 a 10 dias, criando uma lacuna diagnóstica em que os clínicos devem tomar decisões baseadas apenas na suspeita clínica. Neste caso, o teste de LCR para anticorpos não pôde ser completado devido à disponibilidade limitada de amostra, embora o teste sérico tenha sido suficiente para o diagnóstico.

O caso também mostra como os sintomas podem evoluir ao longo do tempo, começando com atividade similar a crises convulsivas e progredindo para incluir distúrbios de movimento e sintomas psiquiátricos. Esse padrão de progressão é característico, mas pode ser mal interpretado como condições separadas, em vez de diferentes manifestações do mesmo processo patológico.

Recomendações ao Paciente e Pontos Principais

Para pacientes e famílias que experienciam sintomas semelhantes, este caso oferece várias recomendações importantes:

  1. Busque avaliação abrangente quando sintomas neurológicos e psiquiátricos ocorrem juntos, especialmente em mulheres jovens
  2. Persista em buscar respostas quando exames iniciais são normais, mas os sintomas continuam ou pioram apesar do tratamento
  3. Considere encefalite autoimune como possível causa ao enfrentar sintomas neuropsiquiátricos complexos
  4. Assegure exames completos, incluindo imagem pélvica em mulheres jovens com suspeita de encefalite autoimune
  5. Compreenda que a recuperação leva tempo e pode envolver múltiplos especialistas, como neurologistas, psiquiatras e terapeutas de reabilitação

Este caso demonstra a importância de considerar causas autoimunes para sintomas neuropsiquiátricos e a relação crítica entre teratomas ovarianos e encefalite anti-receptor NMDA em mulheres jovens. A remoção precoce do tumor combinada com imunoterapia oferece a melhor chance de recuperação.

Informações da Fonte

Título do Artigo Original: Caso 22-2025: Uma Mulher de 19 Anos com Atividade Similar a Crises Convulsivas e Comportamentos Estranhos

Autores: Judith A. Restrepo, M.D., Amirkasra Mojtahed, M.D., Leah W. Morelli, M.D., Nagagopal Venna, M.D., Gulisa Turashvili, M.D., Ph.D.

Publicação: The New England Journal of Medicine, 31 de julho de 2025, Volume 393, Páginas 488-496

DOI: 10.1056/NEJMcpc2412531

Este artigo de linguagem acessível ao paciente é baseado em pesquisa revisada por pares dos Casos Clínicos do Massachusetts General Hospital.