Este caso envolve uma mulher de 59 anos que conviveu com uma grande massa mamária por 27 anos antes de apresentar anemia grave, sangramento e sintomas neurológicos. Os exames de imagem revelaram um tumor massivo de 20 cm com suspeita de metástases, e a biópsia confirmou um carcinoma adenoide cístico raro. A paciente foi submetida a radioterapia e quimioterapia de urgência para conter o sangramento e reduzir o tumor, reforçando a importância crucial da avaliação médica precoce diante de anormalidades mamárias.
Compreendendo um Caso Complexo: Uma Mulher de 59 Anos com Afasia, Anemia e Grande Massa Mamária
Sumário
- Apresentação do Caso: Sintomas e Achados Iniciais
- Histórico e Antecedentes da Paciente
- Diagnóstico Diferencial: O Que Poderia Ser Isso?
- Abordagem Diagnóstica e Exames
- Achados Patológicos e Diagnóstico Final
- Plano de Tratamento: Radioterapia e Oncologia Clínica
- Implicações Clínicas para Pacientes
- Limitações e Considerações
- Recomendações para Pacientes
- Informações da Fonte
Apresentação do Caso: Sintomas e Achados Iniciais
Uma mulher de 59 anos compareceu a uma clínica multidisciplinar de oncologia mamária para avaliação de uma lesão mamária de longa data, que vinha crescendo há muitos anos. Três semanas antes dessa consulta, ela havia sido internada em outro hospital com sintomas preocupantes, incluindo febre, confusão mental e dificuldade para encontrar palavras (afasia). Durante a internação, a equipe médica observou que ela estava desatenta e desorientada, com afasia expressiva leve, mas sem déficits motores.
Os médicos identificaram uma grande massa exofítica (que se projetava da pele) e sangrante na mama direita. Os exames de imagem trouxeram informações cruciais sobre sua condição. Uma tomografia computadorizada (TC) de crânio revelou uma área em forma de cunha compatível com infarto agudo (acidente vascular cerebral) na região temporoparietal esquerda do cérebro.
Os exames laboratoriais mostraram alterações significativas no hemograma. O nível de hemoglobina estava criticamente baixo, em 4,3 g por decilitro (valores normais: 11,0 a 15,0), indicando anemia grave. O volume corpuscular médio era de 69,7 fl (normal: 80,0 a 100,0), sugerindo anemia microcítica, e a contagem de plaquetas estava elevada, em 922.000 por microlitro (normal: 130.000 a 400.000).
Imagens adicionais de TC de tórax, abdome e pelve revelaram a extensão da massa mamária. O tumor media 14,9 cm por 16,2 cm por 20,0 cm, com componentes císticos (preenchidos por líquido) e sólidos. As imagens também mostraram linfonodos proeminentes em várias áreas e lesões suspeitas nas costelas e pulmões, que poderiam indicar doença metastática (disseminação do câncer para outros órgãos).
Histórico e Antecedentes da Paciente
A paciente relatou ter notado pela primeira vez uma lesão palpável na mama direita aos 32 anos — cerca de 27 anos antes da consulta atual. Na época, ela havia feito alguns exames de imagem mamária e lembrava-se de ter sido informada de que a lesão era benigna. Nenhuma biópsia foi realizada inicialmente.
Nos 27 anos seguintes, a paciente teve acompanhamento médico limitado. Ela atribuiu essa falta de cuidados às demandas de cuidar do filho pequeno e a diversos estressores pessoais e profissionais. Relatou que a lesão mamária cresceu lenta, mas constantemente, durante esse período, com aceleração do crescimento cerca de 2 anos antes da consulta.
Esse crescimento acelerado foi acompanhado por ulceração da pele, desconforto e drenagem, que a paciente inicialmente associou a uma possível infecção crônica. Seu histórico médico incluía menarca (primeira menstruação) aos 10 anos e menopausa aos 50 anos. Teve uma gravidez e usou contraceptivos hormonais por 15 anos, mas nunca fez terapia de reposição hormonal.
No momento da consulta, seu estado de desempenho foi classificado como 1 na escala do Eastern Cooperative Oncology Group (em que 0 é totalmente ativo e 5 é falecido). Tinha histórico familiar de câncer de mama em uma tia materna. Morava na Nova Inglaterra com o filho adulto e administrava um pequeno negócio. Relatou consumo ocasional de álcool, mas não era tabagista.
Diagnóstico Diferencial: O Que Poderia Ser Isso?
A equipe médica considerou várias possibilidades para essa massa mamária de longa data e crescimento lento. O diagnóstico diferencial incluiu processos malignos (cancerosos) e benignos (não cancerosos).
Foram avaliados tipos comuns de câncer de mama:
- Cânceres com receptores hormonais positivos (RH-positivos): Representam cerca de 70% dos cânceres de mama, impulsionados por vias de sinalização dependentes de estrogênio
- Cânceres HER2-positivos: Correspondem a aproximadamente 20% dos cânceres de mama, dependentes da ativação da via HER2
- Cânceres de mama triplo-negativos: Representam cerca de 10% dos tumores mamários invasivos, negativos para receptores de estrogênio, receptores de progesterona e superexpressão de HER2
A evolução extremamente prolongada de 27 anos tornou alguns diagnósticos menos prováveis. Cânceres HER2-positivos e triplo-negativos geralmente não apresentam crescimento tão prolongado sem sintomas sistêmicos mais graves ou disseminação metastática precoce. A apresentação também foi atípica para lesões benignas comuns, como fibroadenomas, cistos, abscessos ou necrose gordurosa.
Outras possibilidades consideradas incluíram:
- Tumores filoides (lesões fibroepiteliais de crescimento lento)
- Diversos sarcomas (que podem progredir localmente sem disseminação sistêmica)
- Carcinomas adenoides císticos (lesões de crescimento lento com potencial metastático limitado)
- Lesões metastáticas de outros sítios primários de câncer
A equipe também avaliou fatores psiquiátricos que poderiam ter contribuído para o atraso no cuidado, mas constatou que a paciente tinha estado mental normal, insight adequado e funcionamento social preservado, apesar de expressar certa desconfiança no sistema médico.
Abordagem Diagnóstica e Exames
Pacientes com lesões mamárias negligenciadas e supostamente invasivas requerem avaliação abrangente. A abordagem padrão inclui imagem sistêmica para estadiamento tumoral e amostragem tecidual para diagnóstico definitivo.
Quando são identificados linfonodos anormais ou lesões suspeitas fora da mama, considera-se amostragem tecidual adicional nessas áreas para estadiamento completo, informações prognósticas e planejamento terapêutico. Tumores localmente avançados como este frequentemente apresentam complicações como dor progressiva, sangramento e infecção sobreposta, que podem exigir intervenções adicionais.
Para esta paciente, o processo diagnóstico incluiu múltiplos exames de imagem e uma biópsia. A biópsia incisional inicial da massa mamária foi realizada sob anestesia local durante a hospitalização. Os resultados patológicos seriam cruciais para determinar o tipo exato de câncer e orientar as decisões terapêuticas.
Antes dos resultados definitivos da biópsia, a equipe de oncologia clínica considerou câncer de mama de baixo grau, RH-positivo, HER2-negativo como o diagnóstico estatisticamente mais provável, com base no padrão de crescimento lento. No entanto, processos invasivos menos comuns, como sarcoma e carcinoma adenoide cístico, permaneceram fortes possibilidades no diagnóstico diferencial.
Achados Patológicos e Diagnóstico Final
A biópsia incisional da massa mamária trouxe respostas definitivas sobre a natureza do tumor. O exame patológico revelou carcinoma com padrão cribriforme (aparência cribriforme) infiltrando a derme, com material mixoide (substância gelatinosa) presente no lúmen.
A coloração imuno-histoquímica especial ajudou a distinguir entre os possíveis diagnósticos:
- Coloração positiva para p63 na camada intacta de células mioepiteliais
- Positiva para CD117 em células epiteliais luminais
- Positiva para MYB, achado característico do carcinoma adenoide cístico
Esses achados confirmaram as duas populações celulares típicas do carcinoma adenoide cístico e descartaram carcinoma cribriforme. Estudos adicionais de biomarcadores foram negativos para receptor de estrogênio, receptor de progesterona e HER2 — caracterizando um câncer triplo-negativo, mas com o padrão específico de carcinoma adenoide cístico.
O diagnóstico patológico final foi carcinoma adenoide cístico da mama, um subtipo raro que representa menos de 1% de todos os cânceres de mama. Esse diagnóstico explicou o padrão de crescimento incomumente lento ao longo de 27 anos, já que esse tipo de câncer é tipicamente indolente (de crescimento lento) com potencial metastático limitado em comparação com tipos mais comuns.
Plano de Tratamento: Radioterapia e Oncologia Clínica
Após o diagnóstico, a equipe médica concluiu que a paciente não poderia realizar com segurança os cuidados básicos com feridas e curativos em casa devido ao risco de sangramento com risco de vida. Dada a natureza localmente destrutiva do tumor e os riscos contínuos de sangramento e infecção, foi desenvolvido um plano terapêutico multidisciplinar.
Abordagem de Radioterapia: A paciente recebeu radioterapia urgente com três objetivos principais: alcançar hemostasia (controle do sangramento), controle tumoral local e conversão para um estado de doença ressecável. Ela recebeu radioterapia conformacional tridimensional com fótons, administrada 5 dias por semana durante 7 semanas, totalizando 70 Gy em 35 frações.
Ela também recebeu quimioterapia concomitante com cisplatina. A radiação foi direcionada à mama, parede torácica e axila direita usando um arranjo de feixe tangencial. Com base na baixa incidência de disseminação nodal no carcinoma adenoide cístico, não foi administrada radiação nodal eletiva além da axila.
Áreas cutâneas adjacentes não envolvidas pelo tumor foram tratadas com mometasona tópica para reduzir reações cutâneas induzidas por radiação. Ao final do tratamento, o mau odor tumoral foi controlado com creme de metronidazol tópico. A paciente apresentou efeitos colaterais esperados, incluindo sensibilidade mamária, vermelhidão da pele (eritema) e descamação úmida focal.
Estadiamento e Prognóstico: A paciente foi diagnosticada com carcinoma adenoide cístico da mama estágio IV (cT4b, cNX, cM1). O envolvimento linfonodal foi considerado incerto, pois é muito incomum na variante cribriforme do carcinoma adenoide cístico. Os linfonodos visíveis na TC podem ter representado linfadenopatia reacional em vez de disseminação cancerosa.
Implicações Clínicas para Pacientes
Este caso ilustra várias implicações clínicas importantes para pacientes com preocupações relacionadas à saúde mamária. Os 27 anos de negligência dos sintomas destacam como circunstâncias pessoais, desconfiança dos sistemas médicos e estressores de vida podem criar barreiras para a busca de cuidados médicos oportunos.
O caso demonstra que mesmo anormalidades mamárias de crescimento extremamente lento exigem avaliação médica. Embora o carcinoma adenoide cístico tipicamente tenha melhor prognóstico do que os tipos mais comuns de câncer de mama, o crescimento local extenso neste caso causou complicações graves, incluindo anemia grave por sangramento e sintomas neurológicos por um acidente vascular cerebral possivelmente relacionado à sua condição médica geral.
Esta apresentação também mostra que tipos raros de câncer de mama podem se manifestar de forma diferente das formas mais comuns. O status triplo-negativo (negativo para receptor de estrogênio, receptor de progesterona e HER2) normalmente sugere um câncer mais agressivo, mas a variante adenoide cística segue um padrão biológico diferente, com progressão tipicamente mais lenta.
A abordagem multidisciplinar utilizada — envolvendo oncologia clínica, radioterapia, cirurgia oncológica e outros especialistas — destaca a importância do cuidado integral para apresentações complexas de câncer, especialmente aquelas com histologias raras que podem exigir abordagens de tratamento especializadas.
Limitações e Considerações
Diversas limitações e considerações importantes emergem deste estudo de caso. Como um relato de caso único, os achados representam a experiência de uma paciente e podem não ser generalizáveis para todos os pacientes com diagnósticos semelhantes.
O curso extremamente prolongado de 27 anos antes do diagnóstico é altamente incomum, mesmo para o carcinoma adenoide cístico de crescimento lento. A maioria dos pacientes com esse tipo de câncer provavelmente buscaria atendimento médico mais cedo devido a sintomas ou alterações visíveis, tornando este um caso excepcional e não uma apresentação típica.
A relação entre o câncer de mama e o acidente vascular cerebral (AVC) da paciente permanece incerta. Embora o AVC tenha ocorrido no contexto de anemia grave e possíveis estados de hipercoagulabilidade associados ao câncer, uma relação causal direta não pode ser estabelecida apenas com este caso.
A abordagem de tratamento que combina radioterapia com quimioterapia concomitante com cisplatina para carcinoma adenoide cístico da mama baseia-se em evidências limitadas, uma vez que esse tipo raro de câncer não foi estudado em grandes ensaios clínicos. As decisões de tratamento foram tomadas por extrapolação da experiência com carcinoma adenoide cístico em locais mais comuns, como cabeça e pescoço.
Os desfechos de longo prazo para essa abordagem de tratamento específica no carcinoma adenoide cístico de mama permanecem desconhecidos devido à raridade do diagnóstico e ao estágio avançado de apresentação neste caso.
Recomendações para Pacientes
Com base neste caso, várias recomendações importantes emergem para os pacientes:
- Busque avaliação médica pronta para qualquer anormalidade mamária nova ou alteração no tecido mamário existente, independentemente de quão lentamente cresça ou quão assintomática possa parecer
- Mantenha cuidados médicos regulares mesmo durante períodos de vida ocupados, pois a detecção precoce de problemas de saúde melhora significativamente as opções de tratamento e os desfechos
- Discuta barreiras ao cuidado abertamente com os profissionais de saúde, que frequentemente podem ajudar a abordar obstáculos práticos, financeiros ou psicológicos para receber o atendimento médico necessário
- Solicite explicações sobre qualquer diagnóstico mamário, incluindo se subtipos raros podem exigir abordagens de tratamento especializadas
- Considere aconselhamento genético se você tiver histórico familiar de câncer de mama, pois isso pode influenciar as recomendações de rastreamento
Para pacientes diagnosticados com tipos raros de câncer, como carcinoma adenoide cístico, buscar cuidado em centros com expertise multidisciplinar em câncer de mama e tipos tumorais raros pode proporcionar acesso às abordagens de tratamento mais atuais e a ensaios clínicos.
Este caso demonstra de forma poderosa que mesmo alterações mamárias de crescimento extremamente lento podem eventualmente causar complicações graves de saúde, enfatizando a importância da conscientização mamária regular e da avaliação médica oportuna de quaisquer alterações preocupantes.
Informações da Fonte
Título do Artigo Original: Caso 26-2024: Uma Mulher de 59 Anos com Afasia, Anemia e Nódulo Mamário
Autores: Seth A. Wander, M.D., Ph.D., Janice N. Thai, M.D., Lori J. Wirth, M.D., Daniel E. Soto, M.D., Rebecca M. Kwait, M.D., e Bayan A. Alzumaili, M.D.
Publicação: The New England Journal of Medicine, 22/29 de Agosto de 2024, Volume 391, Páginas 747-757
DOI: 10.1056/NEJMcpc2402489
Este artigo em linguagem acessível é baseado em pesquisa revisada por pares do The New England Journal of Medicine. Mantém todas as informações médicas originais, dados e achados clínicos, tornando-os acessíveis a pacientes com formação educacional.