Este caso envolve um menino de 10 meses que desenvolveu vômitos persistentes, perda de peso e níveis perigosamente elevados de cálcio (hipercalcemia). Após uma investigação detalhada, os médicos identificaram como causa uma condição genética rara chamada deficiência de CYP24A1, que impede o organismo de processar adequadamente a vitamina D. O diagnóstico foi confirmado por meio de exames de sangue especializados, que revelaram um metabolismo anormal da vitamina D. O tratamento concentrou-se em um rigoroso controle dietético para evitar o acúmulo excessivo de cálcio e prevenir danos renais.
Compreendendo um Caso Complexo: Um Menino de 10 Meses com Vômitos e Níveis Elevados de Cálcio
Sumário
- Apresentação do Caso: A História do Paciente
- Histórico Médico e Achados do Exame Físico
- Resultados dos Exames Laboratoriais
- Diagnóstico Diferencial: O Que Poderia Causar Isso?
- Doenças Genéticas e Hipercalcemia
- Estabelecendo o Diagnóstico Final
- Testes Diagnósticos Confirmatórios
- Compreendendo o Metabolismo da Vitamina D
- Abordagem de Tratamento e Manejo
- Implicações Clínicas para Pacientes
- Limitações deste Estudo de Caso
- Recomendações para Famílias
- Informações da Fonte
Apresentação do Caso: A História do Paciente
Um menino previamente saudável de 10 meses foi internado no hospital devido a vômitos, perda de peso e níveis perigosamente elevados de cálcio no sangue (hipercalcemia). Os sintomas começaram duas semanas antes da internação, quando ele passou a apresentar episódios de vômito em jato a cada poucos dias, geralmente após a ingestão de alimentos sólidos.
Apesar dos vômitos, a criança permaneceu ativa e alerta entre os episódios. Nos 12 dias seguintes, os vômitos tornaram-se mais frequentes, ocorrendo diariamente e também após a ingestão de líquidos. Dois dias antes da internação, ele foi avaliado em uma clínica pediátrica, onde foi constatado que estava com peso significativamente abaixo do esperado, com 7,36 kg (apenas no percentil 0,4 para sua idade).
Seus pais relataram que ele havia desenvolvido uma forte aversão a alimentos, engasgava ao ver comida e havia começado a recusar qualquer alimento por via oral. Eles também notaram que ele parecia excessivamente sedento e bebia grandes quantidades de líquido quando oferecido, chegando a sugar água de toalhas durante o banho.
Histórico Médico e Achados do Exame Físico
O paciente nasceu com 38 semanas de gestação devido à hipertensão gestacional materna. Ele recebeu cuidados neonatais de rotina e atingiu todos os marcos do desenvolvimento normais. Seu crescimento havia sido normal até a consulta de 9 meses, quando os médicos observaram que seu peso havia caído para o percentil 1,6, em comparação com o percentil 27,1 aos 6 meses.
Seu histórico médico incluía doença do refluxo gastroesofágico (DRGE) e eczema. Ele estava tomando omeprazol para DRGE, mas não usava vitaminas ou suplementos. O histórico familiar revelou várias condições relevantes: seu pai tinha DRGE e melanoma com cardiomiopatia que exigiu transplante cardíaco, sua avó paterna tinha síndrome de Lynch e hiperparatireoidismo, e seu tio materno tinha síndrome de DiGeorge.
No exame de admissão, a criança apresentava temperatura de 36,1°C, pressão arterial de 102/78 mm Hg, pulso de 140 batimentos por minuto e frequência respiratória de 40 respirações por minuto. Ele parecia alerta, mas magro, com pele seca apresentando escoriações. Seu abdome estava flácido, sem distensão ou dor, e o tônus muscular era normal.
Resultados dos Exames Laboratoriais
Os exames de sangue iniciais revelaram níveis criticamente elevados de cálcio de 13,2 mg/dL (intervalo normal: 8,5-10,5 mg/dL). Outros achados laboratoriais significativos incluíram:
- Contagem de leucócitos: 17.030/μL (levemente elevada)
- Contagem de plaquetas: 494.000/μL (elevada)
- Nível de hormônio da paratireoide (PTH): 6 pg/mL (baixo, indicando supressão apropriada)
- 25-hidroxivitamina D: 64 ng/mL (no limite superior da normalidade)
- 1,25-di-hidroxivitamina D: 37 pg/mL (intervalo normal)
- Fósforo: 3,6 mg/dL (levemente baixo)
Estudos de imagem mostraram nefrocalcinose medular (depósitos de cálcio em ambos os rins), mas radiografias ósseas e ultrassonografias abdominais normais.
Diagnóstico Diferencial: O Que Poderia Causar Isso?
A equipe médica considerou várias causas possíveis para a hipercalcemia da criança com níveis suprimidos de hormônio da paratireoide. As principais categorias incluíram:
- Endocrinopatias: Distúrbios da tireoide, insuficiência adrenal ou distúrbios metabólicos
- Distúrbios relacionados ao peptídeo semelhante ao PTH: Tumores raros que secretam substâncias semelhantes ao PTH
- Doenças genéticas: Várias condições herdadas que afetam o metabolismo do cálcio
- Distúrbios do metabolismo da vitamina D: Problemas com a forma como o corpo processa a vitamina D
Os exames normais de função tireoidiana, a falta de evidências de tumores e a ausência de achados físicos sugestivos de síndromes genéticas como a síndrome de Williams ajudaram a reduzir as possibilidades. O nível de PTH apropriadamente suprimido com níveis de vitamina D no limite superior da normalidade apontou para um distúrbio do metabolismo da vitamina D.
Doenças Genéticas e Hipercalcemia
Os médicos consideraram várias doenças genéticas que podem causar hipercalcemia em lactentes:
- Hipofosfatasia: Uma doença rara que causa mineralização óssea deficiente, mas este paciente tinha radiografias ósseas normais e níveis de fósforo levemente baixos em vez dos níveis elevados esperados
- Condrodisplasia metafisária de Jansen: Causa desenvolvimento ósseo anormal e hipercalcemia, mas o paciente não tinha evidências radiográficas de alterações metafisárias
- Síndrome de Williams: Uma síndrome de deleção genética associada à hipercalcemia, problemas cardíacos e atrasos no desenvolvimento, mas este paciente não apresentava características típicas
- Hipercalcemia infantil idiopática: Um diagnóstico de exclusão agora conhecido por ser frequentemente causado por variantes genéticas que afetam o metabolismo da vitamina D
Estabelecendo o Diagnóstico Final
A combinação de achados levou à suspeita de hipercalcemia infantil idiopática causada por um defeito genético no metabolismo da vitamina D. Várias pistas importantes apoiaram este diagnóstico:
- Hipercalcemia inexplicada com PTH apropriadamente suprimido
- Nível de 25-hidroxivitamina D no limite superior da normalidade (64 ng/mL), incomum para um lactente da Nova Inglaterra sem suplementação
- Nível normal de 1,25-di-hidroxivitamina D que estava inapropriadamente alto considerando o PTH suprimido
- Presença de nefrocalcinose indicando problemas de longa data no metabolismo do cálcio
- Desenvolvimento normal e ausência de outras anormalidades físicas
Os médicos suspeitaram de uma mutação no gene CYP24A1, que fornece instruções para a produção da enzima 24-hidroxilase, crítica para a degradação da vitamina D.
Testes Diagnósticos Confirmatórios
Testes especializados foram realizados para confirmar o diagnóstico. Quando repetido duas semanas após a admissão, o nível de 1,25-di-hidroxivitamina D estava elevado para 120 pg/mL. Mais importante, os testes revelaram:
- Nível de 24,25-di-hidroxivitamina D: 0,4 ng/mL (significativamente abaixo do intervalo de referência normal de 1,6±1)
- Razão entre 25-hidroxivitamina D e 24,25-di-hidroxivitamina D: 170 ng/ng (dramaticamente elevada em comparação com o intervalo normal de 7-35)
Esta razão anormal indicou metabolismo prejudicado da vitamina D, consistente com variantes bialélicas (recessivas) no gene CYP24A1. O nível extremamente baixo de 24,25-di-hidroxivitamina D demonstrou atividade reduzida da enzima 24-hidroxilase, que normalmente ajuda a prevenir a toxicidade da vitamina D degradando metabólitos ativos da vitamina D.
Compreendendo o Metabolismo da Vitamina D
O metabolismo da vitamina D é um processo complexo que envolve múltiplas etapas e enzimas:
- A vitamina D da luz solar ou da dieta é convertida em 25-hidroxivitamina D pelo fígado
- Os rins então convertem isso em 1,25-di-hidroxivitamina D ativa usando a enzima 1α-hidroxilase
- Ambas as formas podem ser inativadas pela enzima 24-hidroxilase (CYP24A1) em formas que podem ser excretadas
Quando o CYP24A1 não funciona adequadamente devido a mutações genéticas, a vitamina D e seus metabólitos ativos se acumulam, levando à absorção excessiva de cálcio da dieta e resultando em hipercalcemia. Isso explica por que pacientes com esta condição devem limitar estritamente a ingestão dietética de vitamina D e cálcio.
Abordagem de Tratamento e Manejo
O tratamento para deficiência de CYP24A1 foca em reduzir a exposição à vitamina D e a ingestão de cálcio:
- Restrições dietéticas: Limitar alimentos ricos em vitamina D e cálcio
- Evitar luz solar: Reduzir a exposição aos raios UVB para minimizar a produção endógena de vitamina D
- Medicações: Em alguns casos, medicamentos antifúngicos azólicos (como cetoconazol) podem ser usados para inibir a ativação da vitamina D, ou drogas como rifampicina que aumentam a degradação da vitamina D por vias alternativas
- Hidratação: Garantir ingestão adequada de líquidos para ajudar a eliminar o excesso de cálcio
Pacientes requerem manejo vitalício e monitoramento dos níveis de cálcio e vitamina D para prevenir complicações como cálculos renais e nefrocalcinose.
Implicações Clínicas para Pacientes
Este caso ilustra vários pontos importantes para pacientes e famílias que lidam com hipercalcemia inexplicada:
- Hipercalcemia inexplicada em lactentes requer investigação minuciosa
- Causas genéticas são mais comuns que causas adquiridas em pacientes muito jovens
- A deficiência de CYP24A1, embora rara, deve ser considerada em casos de hipercalcemia independente de PTH com níveis apropriados de vitamina D
- O diagnóstico precoce é crucial para prevenir danos renais a longo prazo por nefrocalcinose
- O histórico familiar pode fornecer pistas importantes, pois esta condição segue um padrão de herança autossômico recessivo
Pacientes com esta condição podem levar vidas normais com manejo dietético adequado e monitoramento regular.
Limitações deste Estudo de Caso
Embora este caso forneça insights valiosos, várias limitações devem ser observadas:
- Este é um relato de caso único, e os achados podem não se aplicar a todos os pacientes com apresentações semelhantes
- O diagnóstico foi feito com base em testes bioquímicos em vez de sequenciamento genético direto neste relato inicial
- Dados de acompanhamento de longo prazo não são fornecidos, então os desafios do manejo crônico não são totalmente detalhados
- A resposta a tratamentos específicos além do manejo dietético não é descrita
- Resultados de testes genéticos familiares não estão incluídos para confirmar o padrão de herança
Recomendações para Famílias
Para famílias lidando com preocupações de saúde semelhantes, este caso sugere várias ações importantes:
- Buscar atenção médica imediata para vômitos persistentes e problemas de alimentação em lactentes
- Garantir que os parâmetros de crescimento (peso, altura) sejam cuidadosamente acompanhados nas consultas de puericultura
- Compartilhar histórico médico familiar completo com os profissionais de saúde, pois condições genéticas frequentemente ocorrem em famílias
- Perguntar sobre testes específicos para metabolismo de cálcio e vitamina D se hipercalcemia for detectada
- Solicitar encaminhamento para endocrinologistas pediátricos ou especialistas em genética para distúrbios metabólicos complexos
- Seguir rigorosamente as recomendações dietéticas se um distúrbio do metabolismo da vitamina D for diagnosticado
- Garantir monitoramento regular da função renal e níveis de cálcio com acompanhamento de longo prazo
Informações da Fonte
Título do Artigo Original: Caso 21-2024: Um Menino de 10 Meses com Vômitos e Hipercalcemia
Autores: Christina Jacobsen, M.D., Ph.D., Harald Jüppner, M.D., e Deborah M. Mitchell, M.D.
Publicação: The New England Journal of Medicine, 11 de julho de 2024; 391:167-76
DOI: 10.1056/NEJMcpc2402485
Este artigo de linguagem acessível é baseado em pesquisas revisadas por pares dos Registros de Casos do Massachusetts General Hospital.