O renomado especialista em análise de ensaios clínicos e farmacovigilância, Dr. Stephen Evans, MD, explica como avaliar a hidroxicloroquina para a COVID-19. Ele detalha as diferenças cruciais entre estudos pequenos e grandes ensaios randomizados. Dr. Evans também discute os vieses inerentes à pesquisa observacional e destaca os riscos cardíacos já conhecidos associados à hidroxicloroquina. A equação risco-benefício é fundamentalmente diferente ao tratar uma doença, em comparação com a prevenção em indivíduos saudáveis. As evidências atuais não apoiam o uso da hidroxicloroquina para prevenir ou tratar a COVID-19.
Hidroxicloroquina para COVID-19: Avaliando as Evidências e Dados de Ensaios Clínicos
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- Problemas com Estudos Clínicos Pequenos
- Limitações e Vieses de Estudos Observacionais
- Riscos Cardíacos e Efeitos Adversos da Hidroxicloroquina
- Análise de Risco-Benefício em Pacientes Saudáveis
- Evidências Atuais para Prevenção e Tratamento da COVID-19
- Ensaios Clínicos Randomizados Grandes em Andamento
- Transcrição Completa
Problemas com Estudos Clínicos Pequenos
O Dr. Stephen Evans, MD, alerta sobre a confiança excessiva em estudos muito pequenos sobre hidroxicloroquina e COVID-19. Ele explica que a variação aleatória pode gerar resultados dramáticos, porém enganosos. Um estudo de pequeno porte pode indicar benefício ou dano significativo simplesmente por acaso. Esse é um princípio fundamental na interpretação de ensaios clínicos. Por isso, estudos pequenos não devem embasar decisões terapêuticas definitivas.
Limitações e Vieses de Estudos Observacionais
O Dr. Stephen Evans, MD, detalha os desafios significativos dos estudos observacionais. Essas pesquisas comparam pacientes que recebem um medicamento com aqueles que não recebem. A maior dificuldade é garantir que os grupos sejam semelhantes. Pacientes que usam hidroxicloroquina podem diferir dos demais de formas relevantes: podem estar mais doentes, o que levaria a aparentes danos não causados pelo fármaco, ou mais saudáveis, criando uma falsa impressão de benefício. O Dr. Evans ressalta que tais estudos exigem cuidado extraordinário para minimizar esses fatores de confusão.
Riscos Cardíacos e Efeitos Adversos da Hidroxicloroquina
Na entrevista, o Dr. Stephen Evans, MD, aborda os riscos cardíacos já conhecidos da hidroxicloroquina. Ele cita um ensaio randomizado realizado na América do Sul que comparou diferentes doses. A dose mais elevada demonstrou efeitos cardíacos adversos. O Dr. Evans explica o mecanismo: a hidroxicloroquina prolonga o tempo de recuperação do coração entre os batimentos. Em casos extremos, isso pode resultar em arritmias perigosas, parada cardíaca e óbito. Esse perfil de risco é estabelecido, exigindo monitoramento cuidadoso mesmo em seus usos aprovados para malária e doenças autoimunes.
Análise de Risco-Benefício em Pacientes Saudáveis
O Dr. Stephen Evans, MD, enfatiza uma distinção crucial na farmacoterapia. O cálculo de risco-benefício varia drasticamente entre tratar uma doença e preveni-la. Para um paciente com lúpus ou malária, tolerar alguns efeitos adversos se justifica pelos ganhos do tratamento. No entanto, o uso da hidroxicloroquina para prevenir COVID-19 em pessoas saudáveis é diferente. A tolerância a qualquer efeito colateral é muito menor. O mesmo princípio se aplica a vacinas, administradas em populações saudáveis. Para um indivíduo saudável, a equação deve mostrar um benefício claro e significativo que compense qualquer risco.
Evidências Atuais para Prevenção e Tratamento da COVID-19
O Dr. Stephen Evans, MD, resume o panorama atual de evidências. Os grandes estudos observacionais de melhor qualidade sobre hidroxicloroquina não demonstraram qualquer benefício para a COVID-19. Há indícios de possíveis danos, especialmente toxicidade cardíaca. Portanto, o balanço de risco-benefício para seu uso na prevenção “simplesmente não existe”. Quanto ao tratamento, nenhum ensaio randomizado até o momento sugeriu benefício no combate ao vírus ou no alívio dos sintomas. A posição atual não é que a hidroxicloroquina seja definitivamente ineficaz, mas que não há evidências confiáveis de sua eficácia.
Ensaios Clínicos Randomizados Grandes em Andamento
O Dr. Stephen Evans, MD, conclui observando que respostas definitivas ainda estão por vir. Vários ensaios randomizados de grande porte estão em andamento, incluindo esforços significativos no Reino Unido. Esses estudos testam a hidroxicloroquina isoladamente e em combinação com outros tratamentos, comparados a placebo. O Dr. Evans espera que os resultados dessas pesquisas rigorosas estejam disponíveis dentro de um ou dois meses. Esses dados fornecerão evidências de alta qualidade para determinar de forma conclusiva a eficácia e a segurança da hidroxicloroquina para COVID-19.
Transcrição Completa
Dr. Anton Titov, MD: Hidroxicloroquina na prevenção e tratamento da COVID-19. Relatos iniciais sugeriram benefício, mas estudos observacionais posteriores indicaram mais danos. O senhor é especialista em análise de ensaios com medicamentos e vigilância pós-comercialização de efeitos adversos. Como analisar as evidências a favor e contra o uso da hidroxicloroquina na infecção por coronavírus COVID-19?
Dr. Stephen Evans, MD: É preciso ter cautela com estudos muito pequenos. A variação aleatória faz com que possam mostrar benefício ou dano dramático simplesmente por acaso. Por isso, estudos pequenos não devem ser usados como base.
Um dos problemas dos estudos observacionais é que nunca temos certeza se os que receberam hidroxicloroquina e os que não receberam são do mesmo perfil. Eles podem diferir de várias maneiras. Estudos observacionais podem indicar danos que não se devem ao medicamento, mas aos pacientes que o recebem.
Ou podem mostrar benefícios decorrentes do tipo de paciente tratado. Ou ainda deixar de mostrar benefícios porque os pacientes que recebem o medicamento já estão mais enfermos que os demais.
Por isso, estudos observacionais devem ser conduzidos com cuidado extraordinário. Minha área de atuação busca garantir que esses estudos sejam feitos com muito rigor. Mas, no final, muitas vezes permanecemos com incertezas.
Eu buscaria os grandes estudos observacionais de melhor qualidade sobre hidroxicloroquina. Até agora, todos eles não mostraram qualquer benefício do fármaco na COVID-19.
Houve um pequeno ensaio randomizado na América do Sul. Lá, não compararam hidroxicloroquina com placebo, mas sim duas doses diferentes. A dose mais alta apresentou efeitos cardíacos adversos esperados; é um medicamento que sabemos poder afetar o ritmo cardíaco.
Cada vez que o coração bate, ele precisa se recuperar, e isso leva um certo tempo. A hidroxicloroquina tende a aumentar esse tempo de recuperação. No extremo, isso pode levar a arritmias cardíacas e, em alguns casos, parada cardíaca e morte.
Portanto, a hidroxicloroquina não é isenta de efeitos adversos e requer monitoramento cuidadoso. É eficaz na malária, embora em muitos lugares tenha desenvolvido resistência e não seja mais usada. Também é eficaz em algumas doenças autoimunes.
Nesses casos, as pessoas já têm uma doença que está sendo tratada. Assim, tolera-se alguns efeitos adversos em troca dos benefícios do tratamento. No uso para prevenir COVID-19, é preciso ser muito mais cauteloso.
Porque se trata de pessoas saudáveis, não se quer impor qualquer efeito adverso a elas. O mesmo ocorre com vacinas. De modo geral, vacinas são dadas a pessoas saudáveis—não a doentes.
Se você já está doente, aceita um pouco mais de efeitos adversos para se livrar da doença. Mas se está saudável, a equação é muito diferente.
Portanto, as evidências contra a hidroxicloroquina não são especialmente robustas. É um medicamento que usamos regularmente em pacientes doentes, mas não queremos usá-lo em quem não tem doenças. Há indícios de que cause danos, e na COVID-19 ainda não temos evidências de benefício.
O balanço de risco e benefício para prevenção simplesmente não existe. Da mesma forma, para tratamento, não houve nenhum ensaio randomizado que sugira que hidroxicloroquina ou sulfato de cloroquina—formas do mesmo princípio ativo—tenham qualquer benefício no tratamento do vírus ou dos sintomas decorrentes.
Não sabemos—ainda é possível, pois há ensaios muito grandes em andamento, inclusive no Reino Unido, testando hidroxicloroquina sozinha e combinada com outros tratamentos, comparada a placebo. Dentro de um ou dois meses, espero que tenhamos resultados mostrando se é eficaz.
Não podemos afirmar que não é eficaz. Podemos apenas dizer que não há evidências de que seja eficaz.