Comparação entre Implante de Stent e Cirurgia de Revascularização Miocárdica para Doença Arterial Coronariana de Três Vasos

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Este amplo estudo internacional comparou dois tratamentos para pacientes com doença arterial coronariana de três vasos: intervenção coronária percutânea (ICP) guiada pela reserva de fluxo fracionado (RFF) versus cirurgia de revascularização miocárdica (CRM). Após um ano, 10,6% dos pacientes submetidos à ICP apresentaram complicações maiores (óbito, infarto do miocárdio, acidente vascular cerebral ou procedimentos repetidos), em comparação com 6,9% dos pacientes submetidos à CRM, demonstrando que a angioplastia não atendeu aos critérios para ser considerada igualmente segura e eficaz. Embora a CRM tenha apresentado maiores riscos de sangramento, arritmias cardíacas e lesão renal, proporcionou melhor proteção geral contra eventos cardiovasculares maiores. Isso sugere que a cirurgia de revascularização permanece como a opção preferencial para a maioria dos pacientes com doença de três vasos.

Comparação entre Procedimentos com Stent e Cirurgia de Revascularização para Doença Cardíaca de Três Vasos

Sumário

Contexto: Por Que Esta Pesquisa É Importante

Pacientes com obstruções nas três principais artérias do coração (doença arterial coronariana de três vasos) enfrentam decisões críticas de tratamento. Historicamente, pesquisas mostraram que a cirurgia de revascularização miocárdica (CRM) proporciona melhores desfechos do que a intervenção coronária percutânea (ICP) com stents. No entanto, avanços recentes na tecnologia de stents e técnicas de medição trouxeram novas questões à tona.

Stents farmacológicos de segunda geração oferecem maior segurança, com menores riscos de trombose, infarto do miocárdio e reestenose em comparação com modelos mais antigos. Igualmente importante é a medição da reserva de fluxo fracionado (RFF) – um teste baseado em fio que avalia com precisão o fluxo sanguíneo através de artérias estreitadas. A RFF ajuda os cardiologistas a identificar quais obstruções realmente necessitam de stents, evitando procedimentos desnecessários.

Antes do estudo FAME 3, nenhuma pesquisa ampla havia investigado se a combinação de stents modernos com orientação por RFF poderia igualar a eficácia da CRM para doença de três vasos. Este trabalho buscou responder se essa abordagem avançada de angioplastia poderia ser tão segura e eficaz quanto a cirurgia de revascularização para esses pacientes complexos.

Métodos do Estudo: Como a Pesquisa Foi Conduzida

Este rigoroso estudo internacional envolveu 48 centros médicos em todo o mundo e seguiu padrões científicos rigorosos:

  • 1.500 pacientes com doença arterial coronariana de três vasos foram randomicamente designados para ICP guiada por RFF (757 pacientes) ou cirurgia de CRM (743 pacientes)
  • Critérios de inclusão: Obstruções ≥50% em todas as três principais artérias cardíacas (excluindo artéria principal esquerda), tratáveis por qualquer método
  • Critérios de exclusão: Infartos do miocárdio recentes, insuficiência cardíaca grave (fração de ejeção <30%) ou choque cardiogênico
  • Os pacientes foram acompanhados por 1 ano com consultas de acompanhamento na alta, 1 mês, 6 meses e 12 meses

Abordagens de Tratamento Detalhadas

Grupo de ICP Guiada por RFF:

  • Médicos mediram diferenças de pressão arterial em cada obstrução usando um fio especial
  • Apenas obstruções com RFF anormal (≤0,80) receberam stents – aproximadamente 76% das obstruções identificadas
  • Pacientes receberam uma média de 3,7 stents
  • Todos os stents eram tipos modernos liberadores de zotarolimus (Resolute Integrity ou Onyx)

Grupo de Cirurgia de CRM:

  • Cirurgiões realizaram enxertos de revascularização usando técnicas padrão
  • 97% dos pacientes receberam um enxerto de artéria torácica interna esquerda
  • Pacientes receberam uma média de 3,4 conexões de bypass
  • 24% receberam múltiplos enxertos arteriais

Medição de Desfechos

O desfecho primário foi um composto de eventos adversos maiores dentro de 1 ano:

  1. Óbito por qualquer causa
  2. Infarto do miocárdio
  3. Acidente vascular cerebral
  4. Revascularização repetida (necessitando de outro procedimento)

Infartos do miocárdio foram cuidadosamente definidos usando tanto exames de sangue (níveis de troponina >10x o normal) quanto evidências adicionais como alterações no ECG. Um comitê independente revisou todos os eventos sem saber qual tratamento os pacientes receberam.

Principais Achados: Resultados Detalhados

O estudo produziu resultados claros e estatisticamente significativos comparando as duas abordagens:

Desfecho Primário

  • Grupo de ICP guiada por RFF: 80 pacientes (10,6%) apresentaram eventos adversos maiores
  • Grupo de CRM: 51 pacientes (6,9%) apresentaram eventos adversos maiores
  • Isso se traduz em um risco 50% maior com angioplastia (Razão de Risco: 1,5; IC 95%: 1,1-2,2)
  • A análise estatística confirmou que a angioplastia não atendeu aos critérios de não inferioridade (P=0,35)

Detalhamento dos Eventos

Desfecho ICP Guiada por RFF (n=757) CRM (n=743)
Óbito (qualquer causa) 12 (1,6%) 7 (0,9%)
Infarto do Miocárdio (total) 39 (5,2%) 26 (3,5%)
  - Espontâneo 25 (3,3%) 17 (2,3%)
  - Relacionado ao procedimento 13 (1,7%) 9 (1,2%)
Acidente Vascular Cerebral 7 (0,9%) 8 (1,1%)
Procedimentos Repetidos 45 (5,9%) 29 (3,9%)

Desfechos de Segurança

A CRM apresentou taxas mais altas de certas complicações:

  • Sangramento maior: 3,8% vs 1,6% (P=0,009)
  • Lesão renal aguda: 0,9% vs 0,1% (P=0,04)
  • Arritmias graves: 14,1% vs 2,4% (P<0,001)
  • Reinternação em 30 dias: 10,2% vs 5,5% (P<0,001)

Diferenças na Recuperação do Paciente

  • Permanência hospitalar: Pacientes de CRM permaneceram 11 dias vs 3 dias dos pacientes de ICP
  • Tempo do procedimento: CRM levou 197 minutos vs 87 minutos da ICP
  • Tempo até o tratamento: Pacientes de ICP receberam tratamento em 4 dias vs 13 dias da CRM

Implicações Clínicas: O Que Isso Significa para os Pacientes

Estes achados têm implicações significativas para decisões de tratamento:

Para pacientes com doença arterial coronariana de três vasos, a cirurgia de CRM proporciona melhor proteção contra eventos cardiovasculares maiores dentro do primeiro ano em comparação com até mesmo a abordagem mais avançada de angioplastia. A diferença absoluta de 3,7% (10,6% vs 6,9%) significa que aproximadamente 1 em 27 pacientes evitaria óbito, infarto, acidente vascular cerebral ou procedimentos repetidos ao escolher cirurgia em vez de angioplastia.

No entanto, a CRM apresenta compensações importantes. Os pacientes enfrentam riscos imediatos mais altos, incluindo:

  • Risco quase 9 vezes maior de arritmias graves
  • Risco mais que dobrado de sangramento maior
  • Risco 9 vezes maior de lesão renal
  • Risco quase dobrado de reinternação dentro de 30 dias

A ICP guiada por RFF oferece vantagens no tempo de recuperação e menos complicações imediatas, mas ao custo de maior probabilidade de necessitar de procedimentos adicionais posteriormente. Os dados mostram que pacientes com stents tiveram 51% mais procedimentos repetidos do que pacientes cirúrgicos.

Limitações: O Que o Estudo Não Pôde Comprovar

Embora este tenha sido um estudo bem desenhado, várias limitações afetam como os pacientes devem interpretar os resultados:

  • Acompanhamento curto: Resultados cobrem apenas o primeiro ano – diferenças podem mudar em períodos mais longos
  • Diversidade limitada: 93% dos participantes eram brancos, limitando a generalização
  • Seleção baseada em angiograma: Pacientes foram escolhidos usando imagens em vez de testes de isquemia funcional
  • Experiência do operador: Medições de RFF não foram completadas em 18% das lesões
  • Escores SYNTAX: Apenas 18% dos pacientes tinham anatomia complexa (altos escores SYNTAX)

Importante, o estudo não pôde determinar quais grupos específicos de pacientes ainda poderiam se beneficiar da ICP guiada por RFF. O estudo não foi desenhado para detectar diferenças apenas na mortalidade, já que as taxas de óbito foram baixas em ambos os grupos.

Recomendações: Orientações Práticas para Pacientes

Com base nestes achados, os pacientes devem considerar:

  1. Discutir CRM primeiro: Para a maioria dos pacientes com doença de três vasos, a cirurgia de revascularização permanece como a opção preferencial para reduzir eventos cardiovasculares maiores
  2. Considerar ICP quando:
    • Riscos cirúrgicos são proibitivos (doença pulmonar grave, distúrbios hemorrágicos)
    • A anatomia é menos complexa (escores SYNTAX mais baixos)
    • Recuperação mais curta é essencial (ex.: trabalhadores essenciais)
  3. Exigir orientação por RFF: Se escolher stents, insistir na medição da reserva de fluxo fracionado para evitar angioplastia desnecessária
  4. Preparar-se para diferenças na recuperação:
    • Após ICP: Planejar permanência hospitalar de 3 dias, mas maior chance de procedimentos repetidos
    • Após CRM: Planejar permanência hospitalar de 11 dias e monitoramento de arritmias
  5. Medicação de longo prazo: Ambos os grupos requerem aspirina e estatinas vitalícias; pacientes com stents necessitam de drogas antiplaquetárias adicionais por ≥6 meses

Informações da Fonte

Título do Artigo Original: Intervenção Coronária Percutânea Guiada pela Reserva de Fluxo Fracionado em Comparação com Cirurgia de Revascularização Miocárdica
Autores: W.F. Fearon, F.M. Zimmermann, B. De Bruyne, et al. para os Investigadores do FAME 3
Publicação: New England Journal of Medicine (13 de janeiro de 2022)
DOI: 10.1056/NEJMoa2112299
Registro do Estudo Clínico: NCT02100722 (ClinicalTrials.gov)

Este artigo de linguagem acessível é baseado em pesquisa revisada por pares do estudo FAME 3 financiado pela Medtronic e Abbott Vascular. Preserva todos os achados-chave, estatísticas e conclusões do artigo original de 3.000 palavras, tornando informações médicas complexas acessíveis aos pacientes.