Este estudo abrangente comparou a eficácia de seis tratamentos comuns para esclerose múltipla ao longo de cinco anos, utilizando dados de 23.236 pacientes em 35 países. Os pesquisadores observaram que o natalizumabe reduziu o risco de recaída em 56% e a progressão da incapacidade em 57%, em comparação com o acetato de glatirâmer, enquanto o fingolimode diminuiu as recaídas em 40%. O estudo oferece evidências robustas de que terapias mais eficazes proporcionam proteção superior contra a atividade da doença, com o natalizumabe apresentando os efeitos mais significativos tanto nas recaídas quanto nos desfechos relacionados à incapacidade.
Comparando Tratamentos para Esclerose Múltipla: Quais Terapias Têm Melhor Desempenho em 5 Anos?
Sumário
- Por Que Esta Pesquisa É Importante
- Como o Estudo Foi Realizado
- Resultados Detalhados da Comparação Entre Tratamentos
- O Que Isso Significa para os Pacientes
- Limitações do Estudo
- Recomendações Práticas para Pacientes
- Fonte das Informações
Por Que Esta Pesquisa É Importante
A esclerose múltipla (EM) é uma doença neurológica crônica em que o sistema imunológico ataca a bainha de mielina, que protege as fibras nervosas. As terapias modificadoras da doença (TMDs) são medicamentos que podem reduzir as recaídas (surtos de sintomas), retardar a progressão da incapacidade e atrasar a transição para fases mais avançadas da EM. Com diversas opções de tratamento disponíveis, pacientes e neurologistas precisam de evidências claras sobre quais terapias são mais eficazes a longo prazo.
Ensaios clínicos randomizados geralmente comparam um tratamento com placebo, mas raramente confrontam múltiplas terapias entre si. Isso deixa uma lacuna significativa no conhecimento sobre quais tratamentos funcionam melhor para perfis diferentes de pacientes. Este estudo internacional buscou preencher essa lacuna analisando dados do mundo real de milhares de pacientes acompanhados por até cinco anos.
A equipe de pesquisa utilizou métodos estatísticos avançados para simular o que um ensaio randomizado com múltiplos tratamentos mostraria, caso fosse viável realizá-lo. Foram comparadas seis terapias comumente usadas: natalizumabe (Tysabri), fingolimode (Gilenya), dimetil fumarato (Tecfidera), teriflunomida (Aubagio), interferon beta (várias marcas) e acetato de glatirâmer (Copaxone), além da ausência de tratamento.
Como o Estudo Foi Realizado
Os pesquisadores analisaram dados de 23.236 pacientes com esclerose múltipla remitente-recorrente ou síndrome clinicamente isolada (uma forma inicial de EM) de 74 centros médicos em 35 países. Os dados foram extraídos do registro MSBase, um banco de dados internacional que acompanha pacientes com EM ao longo do tempo. O acompanhamento médio foi de 2,8 anos, a partir da primeira consulta com registro de dados sobre incapacidade.
O estudo empregou técnicas estatísticas sofisticadas, chamadas modelos estruturais marginais, para comparar os tratamentos, levando em conta diferenças entre os grupos de pacientes. Essa abordagem ajudou a equilibrar os grupos de comparação em fatores relevantes, como:
- Idade, sexo e estado gestacional
- Duração da doença e nível de incapacidade
- Histórico de tratamentos anteriores
- Atividade recente de recaída
- Resultados de ressonância magnética (quando disponíveis)
Os pacientes foram acompanhados desde o primeiro episódio de tratamento registrado até a troca de terapia, descontinuação ou fim do período do estudo. Os pesquisadores avaliaram três desfechos principais: frequência de recaídas, piora confirmada da incapacidade (com duração de pelo menos 12 meses) e melhora confirmada da incapacidade (também com duração mínima de 12 meses).
Os métodos estatísticos criaram comparações ponderadas que, em essência, responderam à pergunta: "O que aconteceria se o mesmo grupo de pacientes recebesse tratamentos diferentes?" Isso permitiu comparações mais justas entre terapias normalmente prescritas para tipos distintos de pacientes na prática clínica real.
Resultados Detalhados da Comparação Entre Tratamentos
O estudo produziu dois tipos de comparação: efeitos médios do tratamento (EMT), que mostram como as terapias se comportariam em todos os pacientes, e efeitos médios do tratamento entre os tratados (EMTT), que comparam os tratamentos nos grupos específicos que costumam recebê-los.
Redução de Recaídas
Em comparação com o acetato de glatirâmer (utilizado como referência), várias terapias demonstraram eficácia superior na redução de recaídas:
- Natalizumabe: redução de 56% no risco de recaída (HR=0,44, IC 95%=0,40 a 0,50)
- Fingolimode: redução de 40% no risco de recaída (HR=0,60, IC 95%=0,54 a 0,66)
- Dimetil fumarato: redução de 22% no risco de recaída (HR=0,78, IC 95%=0,66 a 0,92)
- Teriflunomida: redução de 11%, não estatisticamente significativa (HR=0,89, IC 95%=0,75 a 1,06)
- Interferon beta: redução de 5%, com significância limítrofe (HR=0,95, IC 95%=0,89 a 1,00)
- Sem tratamento: aumento de 35% no risco de recaída (HR=1,35, IC 95%=1,27 a 1,44)
Piora da Incapacidade
Para prevenir a piora confirmada da incapacidade (com duração de pelo menos 12 meses):
- Natalizumabe: redução de 57% no risco de piora (HR=0,43, IC 95%=0,32 a 0,56)
- Fingolimode: redução de 15%, não estatisticamente significativa (HR=0,85, IC 95%=0,67 a 1,06)
- Dimetil fumarato: redução de 14%, não estatisticamente significativa (HR=0,86, IC 95%=0,51 a 1,47)
- Teriflunomida: redução de 44% (HR=0,56, IC 95%=0,31 a 0,99)
- Interferon beta: aumento de 8% no risco, não significativo (HR=1,08, IC 95%=0,96 a 1,23)
- Sem tratamento: aumento de 4% no risco, não significativo (HR=1,04, IC 95%=0,89 a 1,21)
Melhora da Incapacidade
Para promover melhora confirmada da incapacidade (com duração de pelo menos 12 meses):
- Natalizumabe: aumento de 32% na chance de melhora (HR=1,32, IC 95%=1,08 a 1,60)
- Fingolimode: aumento de 18% na chance, não significativo (HR=1,18, IC 95%=0,96 a 1,46)
- Dimetil fumarato: aumento de 15% na chance, não significativo (HR=1,15, IC 95%=0,82 a 1,60)
- Teriflunomida: redução de 30% na chance, não significativa (HR=0,70, IC 95%=0,44 a 1,11)
- Interferon beta: aumento de 3% na chance, não significativo (HR=1,03, IC 95%=0,91 a 1,18)
- Sem tratamento: redução de 9% na chance, não significativa (HR=0,91, IC 95%=0,78 a 1,05)
As comparações pareadas (modelos EMTT) confirmaram que natalizumabe e fingolimode apresentaram consistentemente resultados superiores em relação a outras terapias, tanto na redução de recaídas quanto nos desfechos de incapacidade. Esses resultados mantiveram-se consistentes mesmo considerando achados de ressonância magnética e ao usar diferentes tratamentos de referência para comparação.
O Que Isso Significa para os Pacientes
Este estudo oferece fortes evidências de que nem todos os tratamentos para EM têm a mesma eficácia. As terapias de alta eficácia, especialmente natalizumabe e fingolimode, mostraram resultados significativamente melhores na redução de recaídas e na prevenção da progressão da incapacidade, comparadas às terapias de eficácia moderada.
Para pacientes com EM remitente-recorrente ativa, esses achados sugerem que iniciar ou mudar para tratamentos de alta eficácia pode oferecer melhor proteção a longo prazo contra a atividade da doença. A redução de 56% no risco de recaída com natalizumabe e de 40% com fingolimode representam benefícios clínicos substanciais, que podem se traduzir em menos hospitalizações, menos afastamentos do trabalho e melhor qualidade de vida.
Os desfechos relacionados à incapacidade são especialmente importantes porque refletem a progressão a longo prazo, que impacta significativamente o funcionamento diário. A redução de 57% no risco de piora da incapacidade com natalizumabe e o aumento de 32% na chance de melhora sugerem que ele pode não apenas retardar a progressão da doença, mas também permitir certa recuperação funcional.
Esses resultados reforçam o conceito de "escalonamento de tratamento" – começar com terapias de alta eficácia para pacientes com doença mais ativa, em vez de adotar uma abordagem gradual que se inicia com tratamentos de eficácia moderada. Essa estratégia pode ajudar a prevenir o acúmulo irreversível de incapacidade ao longo do tempo.
Limitações do Estudo
Embora este estudo forneça evidências valiosas do mundo real, é importante reconhecer suas limitações:
- Não é um ensaio randomizado: Apesar dos métodos estatísticos avançados, trata-se de um estudo observacional, meaning que as decisões de tratamento foram tomadas por médicos e pacientes, e não por randomização
- Viés de seleção de tratamento: Terapias de alta eficácia costumam ser prescritas para pacientes com doença mais ativa, o que pode subestimar seus resultados
- Dados incompletos de ressonância magnética: Muitos pacientes não tinham informações completas de ressonância, embora análises de sensibilidade incluindo esses dados tenham mostrado resultados similares
- Efeitos colaterais e segurança: O estudo focou na eficácia, mas não comparou efeitos adversos, riscos ou perfis de segurança dos diferentes tratamentos
- Tratamentos mais recentes: Algumas terapias novas para EM não foram incluídas porque não eram amplamente utilizadas no período do estudo (2006-2019)
Os pesquisadores observaram que certos fatores foram difíceis de equilibrar completamente entre os grupos, especialmente os níveis de incapacidade em pacientes usando natalizumabe e a atividade recente de recaída naqueles em fingolimode. Essas diferenças residuais foram ajustadas estatisticamente, mas alguma incerteza permanece.
Recomendações Práticas para Pacientes
Com base nesses achados, pacientes com EM devem considerar o seguinte ao discutir opções de tratamento com seu neurologista:
- Discuta os níveis de eficácia: Pergunte ao seu médico sobre a eficácia relativa das diferentes opções, além dos perfis de efeitos colaterais
- Avalie a atividade da sua doença: Leve em conta o nível de atividade da EM ao escolher o tratamento
- Pense a longo prazo: Desfechos de incapacidade ao longo dos anos são mais relevantes do que a redução de recaídas no curto prazo
- Monitore a resposta ao tratamento: Acompanhe regularmente a eficácia do tratamento com seu médico
- Equilibre benefícios e riscos: Considere não apenas a eficácia, mas também requisitos de monitoramento, método de administração e possíveis efeitos colaterais
- Participe de registros: Contribua com registros de pacientes para avançar a pesquisa em EM
Lembre-se de que as decisões de tratamento devem ser personalizadas com base nas características específicas da sua doença, estilo de vida, preferências e tolerância a riscos. Este estudo oferece evidências valiosas sobre eficácia comparativa, mas respostas individuais aos tratamentos podem variar.
Fonte das Informações
Título do Artigo Original: Effectiveness of multiple disease-modifying therapies in relapsing-remitting multiple sclerosis: causal inference to emulate a multiarm randomised trial
Autores: Ibrahima Diouf, Charles B Malpas, Sifat Sharmin, Izanne Roos, Dana Horakova, Eva Kubala Havrdova, Francesco Patti, Vahid Shaygannejad, Serkan Ozakbas, Sara Eichau, Marco Onofrj, Alessandra Lugaresi, Raed Alroughani, Alexandre Prat, Pierre Duquette, Murat Terzi, Cavit Boz, Francois Grand'Maison, Patrizia Sola, Diana Ferraro, Pierre Grammond, Bassem Yamout, Ayse Altintas, Oliver Gerlach, Jeannette Lechner-Scott, Roberto Bergamaschi, Rana Karabudak, Gerardo Iuliano, Christopher McGuigan, Elisabetta Cartechini, Stella Hughes, Maria Jose Sa, Claudio Solaro, Ludwig Kappos, Suzanne Hodgkinson, Mark Slee, Franco Granella, Koen de Gans, Pamela A McCombe, Radek Ampapa, Anneke van der Walt, Helmut Butzkueven, José Luis Sánchez-Menoyo, Steve Vucic, Guy Laureys, Youssef Sidhom, Riadh Gouider, Tamara Castillo-Trivino, Orla Gray, Eduardo Aguera-Morales, Abdullah Al-Asmi, Cameron Shaw, Talal M Al-Harbi, Tunde Csepany, Angel P Sempere, Irene Treviño Frenk, Elizabeth A Stuart, Tomas Kalincik
Publicação: Journal of Neurology, Neurosurgery & Psychiatry, 2023;94:1004-1011
Nota: Este artigo de linguagem acessível baseia-se em pesquisa revisada por pares que analisou dados de 23.236 pacientes em 35 países, acompanhados por até 5 anos.