A Jornada de uma Mulher Jovem com Doença Pulmonar Rara: Entendendo a Doença Veno-Oclusiva Pulmonar. a38

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Este caso descreve uma mulher de 28 anos que desenvolveu insuficiência respiratória grave devido a um distúrbio raro dos vasos sanguíneos pulmonares, conhecido como doença veno-oclusiva pulmonar (DVOP) associada à hemangiomatose capilar pulmonar (HCP). Ao longo de 3,5 anos, sua condição evoluiu de problemas respiratórios leves para hipertensão pulmonar e insuficiência cardíaca direita com risco de vida, apresentando piora dramática após o uso de um medicamento padrão para hipertensão pulmonar. O caso ilustra os desafios diagnósticos das doenças vasculares pulmonares raras e ressalta que o transplante pulmonar costuma ser a única opção terapêutica eficaz para essa condição de progressão acelerada.

A Jornada de uma Jovem Mulher com Doença Pulmonar Rara: Entendendo a Doença Veno-Oclusiva Pulmonar

Sumário

Apresentação do Caso: Sintomas de uma Mulher de 28 Anos

Uma mulher de 28 anos foi transferida para a UTI com insuficiência respiratória progressiva que se desenvolveu ao longo de 3,5 anos. Seus problemas de saúde começaram com falta de ar súbita (dispneia) após quatro semanas de tosse produtiva. Embora tivesse histórico de asma induzida por exercício na adolescência, tratada brevemente com salbutamol inalatório, seus sintomas atuais indicavam uma condição muito mais grave.

A avaliação inicial no pronto-socorro revelou sibilos, e a radiografia de tórax mostrou espessamento peribrônquico. Ela recebeu prednisona oral, além de fluticasona e salbutamol inalatórios. Apesar do tratamento, suas dificuldades respiratórias progrediram nos anos seguintes, chegando a exigir cuidados intensivos.

Histórico Médico e Achados Iniciais

Um mês após a primeira visita ao pronto-socorro, os testes de função pulmonar mostraram espirometria e volumes pulmonares normais, mas uma capacidade de difusão de monóxido de carbono (DLCO) severamente reduzida — exame que avalia a transferência de oxigênio dos pulmões para o sangue. Esse padrão costuma indicar problemas nos vasos sanguíneos pulmonares, e não nas vias aéreas.

Dois meses depois, a paciente relatou piora da falta de ar durante atividades. Os exames laboratoriais mostraram:

  • Leucócitos: 9.150/µL (normal: 4.000–10.800)
  • Eosinófilos: 897/µL (normal: < 680)
  • IgE: 501 UI/mL (normal: < 114)

Testes adicionais descartaram causas alérgicas e parasitárias comuns, embora os testes de alergia tenham indicado reações a carvalho, ácaros, e pelos de cão e gato. A tomografia de tórax sem contraste revelou opacidades em vidro fosco difusas, centrolobulares e nodulares em ambos os pulmões, com discreto aumento de linfonodos mediastinais. Esses achados sugeriam pneumonite por hipersensibilidade, e os médicos recomendaram biópsia pulmonar e teste com prednisona, mas a paciente recusou na época.

Exames Diagnósticos e Resultados de Imagem

Dois anos depois, e um ano antes da internação final, a paciente consultou um cardiologista devido à piora da dispneia aos esforços e tonturas. Sua frequência cardíaca era de 94 bpm. A ecocardiografia mostrou função ventricular esquerda normal, mas revelou:

  • Dilatação ventricular direita leve
  • Pressão sistólica ventricular direita: 37 mmHg (normal: < 29)
  • Shunt interatrial direito-esquerdo mínimo

Onze meses depois, três semanas antes da internação final, ela retornou ao pneumologista com piora progressiva dos sintomas. Seus sinais vitais mostraram:

  • Frequência cardíaca: 115 bpm
  • Pressão arterial: 88/61 mmHg
  • Saturação de oxigênio: 91% em repouso, caindo para 86% após caminhar 30 metros

Exames no pronto-socorro revelaram d-dímero de 455 mg/dL (normal: < 230), possível indicativo de problemas de coagulação. A contagem de eosinófilos havia caído para 210/µL. Outros exames, incluindo HIV e SARS-CoV-2, foram negativos.

A tomografia de tórax com contraste não mostrou êmbolos pulmonares, mas confirmou opacidades em vidro fosco difusas, linfonodomegalia hilar e mediastinal, e pequeno derrame pericárdico.

Desafios do Tratamento e Evolução Clínica

A paciente recebeu oxigênio suplementar contínuo para uso ambulatorial, e uma biópsia pulmonar foi agendada. Duas semanas depois, porém, ela retornou ao pronto-socorro com edema progressivo nas pernas e falta de ar intensa com esforço mínimo. Sua condição havia piorado significativamente:

  • Frequência cardíaca: 110 bpm
  • Pressão arterial: 96/73 mmHg
  • Saturação de oxigênio: 94% com 3 L/min de O₂
  • Peso: 73,4 kg com edema importante até a metade das coxas
  • Pró-BNP: 3.640 pg/mL (normal: < 125)

Ela foi transferida para outro hospital, onde a ecocardiografia mostrou ventrículo esquerdo pequeno com função normal, ventrículo direito muito dilatado e hipocinético, e compressão do septo interventricular. A pressão sistólica ventricular direita foi estimada em 91 mmHg — muito acima do normal (15–28 mmHg).

O cateterismo cardíaco direito revelou:

  • Pressão atrial direita: 14 mmHg (normal: < 7)
  • Pressão arterial pulmonar: 99/56 mmHg
  • Pressão arterial pulmonar média: 71 mmHg (normal: < 20)
  • Pressão de capilar pulmonar: 12 mmHg (normal: < 15)
  • Índice cardíaco: 1,1 L/min (normal: 2,8–4,2)

Essas pressões não melhoraram com óxido nítrico inalatório, indicando hipertensão pulmonar fixa.

A paciente iniciou epoprostenol intravenoso, vasodilatador arterial pulmonar potente. No entanto, em vez de melhorar, sua condição piorou drasticamente — ela desenvolveu dispneia intensa com qualquer atividade, necessitando de altas doses de oxigênio (saturação de 90% com máscara não reinalante a 15 L/min). Também relatou dor mandibular e cefaleia, efeitos colaterais conhecidos da medicação.

Diagnóstico Diferencial: Entendendo as Possibilidades

A equipe considerou várias causas para a hipertensão pulmonar grave:

Doença Cardíaca Esquerda: Causa mais comum de hipertensão pulmonar, mas descartada devido à função ventricular esquerda normal e pressão de capilar pulmonar normal.

Doença Pulmonar Crônica: Histórico de asma e achados tomográficos iniciais sugestivos de pneumonite por hipersensibilidade, mas a progressão rápida foi atípica para condições crônicas.

Hipertensão Pulmonar Tromboembólica Crônica: Descartada pela ausência de êmbolos ou defeitos de perfusão nos exames de imagem.

Hipertensão Arterial Pulmonar (HAP): Foram considerados subtipos:

  • HAP por esquistossomose: Viagem a áreas endêmicas, mas evolução muito rápida e testes negativos
  • HAP associada ao HIV: Teste negativo
  • HAP autoimune: Sem características clínicas ou sorológicas
  • HAP idiopática: Improvável devido a achados atípicos na imagem

Doença Veno-Oclusiva Pulmonar (DVOP) e Hemangiomatose Capilar Pulmonar (HCP): Condições raras com obstrução de veias e capilares pulmonares. A apresentação clínica, os achados de imagem e a piora com epoprostenol apontavam fortemente para esse diagnóstico.

Diagnóstico Final e Implicações Clínicas

A equipe concluiu que a paciente tinha DVOP com HCP — condições agora vistas como parte do mesmo espectro.

Isso explicou:

  • A progressão rápida em 3,5 anos
  • Opacidades em vidro fosco, espessamento septal e linfonodomegalia na imagem
  • DLCO severamente reduzida
  • Piora dramática com epoprostenol

Na DVOP/HCP, a obstrução venocapilar faz com que vasodilatadores aumentem o fluxo sanguíneo para áreas obstruídas, sem drenagem adequada, criando um "engarrafamento" que eleva a pressão capilar e causa extravasamento de líquido — daí a piora com tratamento usual para hipertensão pulmonar.

Desfecho Clínico e Tratamento

Com base no diagnóstico, a paciente foi listada para transplante pulmonar uma semana após a admissão no Massachusetts General Hospital. Apesar da estabilização inicial, ela desenvolveu choque cardiogênico progressivo e precisou de ECMO venoarterial.

Quatro dias depois, foi submetida a transplante pulmonar — único tratamento efetivo para DVOP/HCP, já que medicamentos não revertem as alterações vasculares.

O Que Isso Significa para os Pacientes

Este caso destaca pontos importantes:

Avaliação especializada precoce é crucial: Espirometria normal com DLCO muito reduzida deve levantar suspeita de doença vascular pulmonar, não apenas asma.

Doenças raras exigem centros especializados: DVOP/HCP afeta cerca de 1 em 10 milhões de pessoas; é essencial buscar atendimento em centros de referência.

Resposta ao tratamento pode ser diagnóstica: Piora com vasodilatadores é característica da DVOP/HCP.

Avaliação para transplante deve ser ágil: A progressão rápida e as opções limitadas de tratamento medicamentoso exigem encaminhamento precoce.

Pacientes com falta de ar inexplicada e progressiva, especialmente com DLCO reduzida, devem procurar pneumologistas aptos a considerar diagnósticos raros como DVOP/HCP.

Fonte das Informações

Título do Artigo Original: Caso 23-2025: Uma Mulher de 28 Anos com Insuficiência Respiratória e Imagens Torácicas Anormais

Autores: William J. Janssen, MD, Zachary Hartley-Blossom, MD, Noah C. Schoenberg, MD e Mark F. Sabbagh, MD, PhD

Publicação: The New England Journal of Medicine, 14 de agosto de 2025; 393:700-10

DOI: 10.1056/NEJMcpc2309348

Este artigo de linguagem acessível baseia-se em pesquisa revisada por pares da série Registros de Casos do Massachusetts General Hospital.