Um Caso de Meningite Eosinofílica Relacionada a Viagens: Compreendendo os Sintomas Neurológicos Após Viagem Internacional.

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Uma mulher de 30 anos apresentou sensação de queimação nos pés, que evoluiu para disestesia generalizada, cefaleia e confusão mental após retornar de uma viagem internacional. O exame médico revelou eosinofilia periférica e líquido cefalorraquidiano compatível com meningite eosinofílica, com 694 células brancas/μL (8% eosinófilos). O caso foi diagnosticado como angiostrongilíase, uma infecção parasitária adquirida pelo consumo de alimentos crus contaminados durante viagens à Tailândia, Japão e Havaí.

Meningite Eosinofílica Relacionada a Viagem: Entendendo os Sintomas Neurológicos Após Viagem Internacional

Sumário

Apresentação do Caso

Uma mulher de 30 anos foi admitida no Massachusetts General Hospital com cefaleia e disestesia (sensações anormais de queimação). Os sintomas começaram oito dias antes, com uma sensação de queimação nos pés que progrediu para as pernas nos dois dias seguintes. As sensações pioravam com toque leve, condição conhecida como alodinia.

O tratamento com ibuprofeno não trouxe alívio. A paciente apresentava fadiga concomitante, que inicialmente atribuiu ao jet lag após retornar de uma viagem de três semanas pela Tailândia, Japão e Havaí.

Cinco dias antes da admissão, ela foi ao pronto-socorro de outro hospital, onde seus sinais vitais estavam estáveis: temperatura 37,2°C, pressão arterial 120/60 mm Hg, pulso 106 bpm, frequência respiratória 18 rpm e saturação de oxigênio 100%. Exames de sangue iniciais mostraram função renal, eletrólitos, glicose e níveis de creatina quinase normais. Destacava-se a contagem de leucócitos de 8.680/μL (intervalo de referência: 3.900-11.000) com eosinofilia de 870/μL (referência: 0-450).

Três dias antes da admissão, os sintomas sensoriais progrediram para o tronco e os braços, e ela desenvolveu cefaleia. Dois dias antes, mediu febre de 38,3°C em casa. Um dia antes, uma segunda ida ao pronto-socorro revelou eosinofilia persistente (1.050/μL) e acidose metabólica leve.

Histórico Médico e Antecedentes de Viagem

A paciente tinha histórico de síndrome do intestino irritável e fazia uso de diciclomina e linaclotide. Morava no litoral da Nova Inglaterra, trabalhava em escritório e não usava tabaco, álcool ou drogas ilícitas.

Seu histórico recente de viagem foi relevante: havia retornado 12 dias antes de uma viagem de três semanas que incluiu:

  • Bangkok, Tailândia: visitou a cidade e comeu diversas comidas de rua (nada cru)
  • Tóquio, Japão: passou a maior parte do tempo em hotéis e consumiu várias refeições de sushi
  • Havaí: nadou no oceano várias vezes e frequentemente comeu salada e sushi

Achados do Exame Hospitalar

Na admissão ao Massachusetts General Hospital, seus sinais vitais eram: temperatura 37,3°C, pressão arterial 131/96 mm Hg, pulso 62 bpm, frequência respiratória 24 rpm e saturação de oxigênio 93%. Ela estava alerta, mas desorientada, inquieta e com respostas inconsistentes.

Os achados notáveis incluíam pescoço flexível com movimento normal e ausência de erupções cutâneas. Seu IMC era de 26,3. Recebeu lorazepam intramuscular e fluidos intravenosos na admissão.

Resultados dos Exames Diagnósticos

Os exames laboratoriais iniciais mostraram alterações progressivas:

  • Contagem de leucócitos aumentou de 8.680/μL para 15.500/μL em 5 dias
  • Eosinófilos inicialmente elevados (870/μL; referência: 0-450), mas caíram para 10/μL na admissão
  • Linfócitos diminuíram de 1.880/μL para 1.100/μL
  • Plaquetas aumentaram de 348.000/μL para 471.000/μL

A tomografia computadorizada de crânio não mostrou anormalidades intracranianas agudas. O exame microscópico de esfregaços de sangue não revelou parasitas.

Análise do Líquido Cefalorraquidiano: A punção lombar revelou pressão de abertura de 25 cm de água (referência: 10-25). O LCR apresentou:

  • 694 células brancas/μL (referência: 0-5)
  • Diferencial: 81% linfócitos, 9% monócitos, 8% eosinófilos, 2% neutrófilos
  • Glicose: 36 mg/dL (2,0 mmol/L; referência: 40-70 mg/dL)
  • Proteína total: 101 mg/dL (referência: 15-45 mg/dL)
  • Coloração de Gram: muitas células brancas, nenhuma bactéria

Esse achado preencheu os critérios para meningite eosinofílica, definida como ≥10 eosinófilos/μL de LCR ou eosinófilos representando >10% dos leucócitos no LCR.

Considerações sobre Diagnóstico Diferencial

A equipe médica considerou várias condições que poderiam explicar os sintomas neurológicos e a eosinofilia:

Síndrome de Guillain-Barré: Condição autoimune que tipicamente envolve sintomas sensoriais e motores com hiporreflexia. O exame inicial normal da paciente tornou essa hipótese menos provável, embora a forma puramente sensorial já tenha sido relatada.

Meningite Induzida por Medicamentos: O ibuprofeno pode causar meningite asséptica, mas os sintomas geralmente aparecem em 24 horas (não após 8 dias). Além disso, a meningite medicamentosa costuma apresentar predomínio neutrofílico no LCR, não eosinofílico.

Granulomatose Eosinofílica com Poliangiite (GEP): Condição autoimune que pode causar eosinofilia e sintomas sensoriais semelhantes à Guillain-Barré, mas a ausência de lesões purpúricas ou sinusite a tornou improvável.

Causas Infecciosas: Dado o histórico de viagem, consideraram-se várias infecções parasitárias:

  • Gnastostomíase: Causada por consumo de peixe cru, endêmica no Sudeste/Leste Asiático, mas tipicamente provoca dor radicular migratória e inchaço cutâneo
  • Paragonimíase: Por ingestão de caranguejo cru, mas geralmente causa sintomas gastrointestinais e tosse
  • Esparganose: Por consumo de cobras, sapos ou peixes de água doce crus, o que ela negou
  • Estrongiloidíase: Por água contaminada, mas tipicamente causa manifestações cutâneas
  • Esquistossomose: Quase erradicada na Tailândia e no Japão, e ela não apresentava sintomas característicos

Diagnóstico Final: Angiostrongilíase

A paciente foi diagnosticada com angiostrongilíase, causada pelo nematódeo Angiostrongylus cantonensis, a principal causa de meningite eosinofílica no mundo.

Transmissão: A infecção ocorre por:

  • Ingestão de caracóis ou lesmas infectados crus ou mal cozidos
  • Consumo de produtos contaminados por caracóis/lesmas ou seu muco
  • Ingestão de hospedeiros paratênicos infectados (caranguejos terrestres, camarões de água doce, sapos) que consumiram caracóis infectados

Distribuição Geográfica: Originalmente descrita em Taiwan, agora encontrada em regiões tropicais/subtropicais, incluindo Sudeste Asiático, Ilhas do Pacífico (como Havaí), e cada vez mais na Austrália, Europa, sul dos EUA e Caribe.

Período de Incubação e Fisiopatologia: O período médio de incubação é de 1-2 semanas. As larvas migram para o sistema nervoso central via corrente sanguínea, chegando ao cérebro em horas. Em até duas semanas, atingem o espaço subaracnóideo, desencadeando respostas inflamatórias intensas, principalmente com eosinófilos.

O Havaí registrou apenas 5 casos confirmados em 2024, mas, com 9-10 milhões de turistas anuais, muitas infecções podem se manifestar após o retorno.

Implicações Clínicas para Pacientes

Este caso ilustra considerações importantes para pacientes com sintomas neurológicos pós-viagem:

A meningite eosinofílica deve ser considerada em pacientes com cefaleia, sintomas sensoriais e eosinofilia, especialmente com viagem recente a áreas endêmicas. A confirmação requer punção lombar, que apresenta riscos mínimos (5-10% de chance de cefaleia pós-punção; complicações graves são raras).

O histórico de viagem é crucial. Pacientes devem informar detalhadamente:

  • Países e regiões visitados
  • Hábitos alimentares durante a viagem
  • Atividades com exposição à água
  • Momento do início dos sintomas em relação à viagem

A progressão de sintomas sensoriais periféricos para envolvimento do sistema nervoso central (cefaleia, confusão) é característica da migração parasitária na angiostrongilíase.

Limitações do Estudo

Este relato de caso tem limitações que os pacientes devem considerar:

Como se trata de um único caso, os achados podem não ser generalizáveis. O diagnóstico baseou-se na apresentação clínica e no histórico de viagem, não na identificação definitiva do parasita no LCR ou tecido.

A paciente usou zolpidem antes de desenvolver confusão, o que pode ter contribuído para as alterações mentais independentemente da infecção. Alguns valores laboratoriais (como a queda dos eosinófilos na admissão) foram atípicos para infecções parasitárias e podem refletir variabilidade da doença ou momento da coleta.

Recomendações para Pacientes

Com base neste caso, os pacientes devem considerar:

  1. Precauções de Viagem: Em regiões tropicais ou subtropicais, evite consumir:
    • Caracóis, lesmas ou frutos do mar de água doce crus ou mal cozidos
    • Produtos não lavados que possam ter muco de caracól/lesma
    • Caranguejos, camarões ou sapos de água doce crus
  2. Consciência de Sintomas: Procure atendimento médico se apresentar:
    • Sensações inexplicáveis de queimação ou formigamento após viagem
    • Cefaleias progressivas com febre
    • Alterações do estado mental após viagem internacional
  3. Comunicação Médica: Ao buscar cuidado:
    • Forneça histórico detalhado de viagem (destinos e datas)
    • Descreva todos os alimentos consumidos durante a viagem
    • Mencione atividades com exposição à água
  4. Compreensão Diagnóstica: Esteja ciente de que a punção lombar pode ser necessária e tem riscos mínimos quando bem indicada

Informações da Fonte

Título do Artigo Original: Caso 5-2025: Uma Mulher de 30 Anos com Cefaleia e Disestesia

Autores: Joseph Zunt, MD, MPH; Amy K. Barczak, MD; Daniel Y. Chang, MD, PhD; Dennis C. Sgroi, MD; Eric S. Rosenberg, MD; David M. Dudzinski, MD; e colegas

Publicação: The New England Journal of Medicine, 13 de fevereiro de 2025; 392:699-709

DOI: 10.1056/NEJMcpc2412514

Este artigo para pacientes é baseado em pesquisa revisada por pares a partir de registros do Massachusetts General Hospital.