Um Caso Complexo: Compreendendo a Insuficiência Cardíaca de Origem Inexplicada em um Paciente com Artrite Reumatoide. A37

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Este caso envolve uma mulher de 63 anos com artrite reumatoide que desenvolveu dificuldade respiratória grave e sintomas de insuficiência cardíaca. Após exames detalhados, os médicos identificaram tecido mole anormal ao redor do coração, dos grandes vasos sanguíneos e dos rins. A equipe médica considerou diversas condições raras antes de chegar ao diagnóstico mais provável, com base na análise criteriosa dos sintomas, resultados laboratoriais e exames de imagem.

Um Caso Complexo: Compreendendo a Insuficiência Cardíaca Inexplicada em uma Paciente com Artrite Reumatoide

Sumário

Apresentação do Caso

Uma mulher de 63 anos foi admitida no Massachusetts General Hospital com falta de ar persistente havia dois meses. A paciente relatou que inicialmente sentia "cansaço" durante caminhadas com amigos, algo incomum, já que costumava ser a primeira a completar os percursos. Nas duas semanas seguintes, desenvolveu tosse seca, e a dificuldade respiratória evoluiu a ponto de necessitar pausas após apenas 10 minutos de exercícios na esteira ou no elíptico.

Os sintomas tornaram-se tão intensos que ela passou a usar três travesseiros para dormir, devido ao desconforto respiratório. Também apresentou distensão abdominal, perda de apetite e náuseas após as refeições. Esses sintomas surgiram cerca de um ano após o diagnóstico de artrite reumatoide, uma doença autoimune que causa inflamação e dor nas articulações.

Histórico Médico e Antecedentes

Quinze meses antes do início dos sintomas atuais, a paciente foi diagnosticada com artrite reumatoide no ambulatório de reumatologia de outro hospital. Ela tinha histórico de seis meses de inchaço e rigidez nas articulações das mãos, além de endurecimento da pele em alguns dedos. O exame físico revelou deformidades em pescoço de cisne em ambas as mãos, e as radiografias mostraram erosões marginais nos ossos das mãos.

Os exames laboratoriais iniciais apresentaram contagens normais de leucócitos, função tireoidiana e diversos outros marcadores sanguíneos. É importante destacar que múltiplos testes de anticorpos foram negativos, incluindo os para várias doenças autoimunes e infecções como doença de Lyme e hepatite. A velocidade de hemossedimentação (marcador de inflamação) estava elevada em 55 mm/h (normal 0–20), e a proteína C reativa (outro marcador inflamatório) estava alta, em 25,2 mg/litro (normal <8,0).

Ela teve resultado positivo para fator reumatoide e anticorpos antipeptídeos cíclicos citrulinados, ambos compatíveis com artrite reumatoide. O tratamento com metotrexato (medicação imunossupressora) foi iniciado, e o inchaço articular melhorou nos dois meses seguintes.

A paciente tinha outras condições, incluindo hipertensão, diabetes mellitus, dislipidemia (colesterol alto), histórico de cirurgia de meningioma (tipo de tumor cerebral) e teste cutâneo de tuberculina positivo (embora um exame mais específico para tuberculose tenha sido negativo).

Exames Diagnósticos e Resultados

Com o surgimento dos sintomas respiratórios, a paciente foi submetida a uma investigação extensa. Os resultados laboratoriais mostraram piora progressiva dos marcadores inflamatórios e anemia:

  • Velocidade de hemossedimentação aumentou de 55 para 70 mm/h
  • Proteína C reativa subiu de 25,2 para 47,1 mg/litro
  • Hemoglobina caiu de 12,5 para 9,8 g/dl (normal 12,0–16,0), indicando anemia
  • Peptídeo natriurético tipo B pró-N-terminal (marcador de insuficiência cardíaca) estava elevado em 389 pg/ml inicialmente e aumentou para 672 pg/ml (normal <900)

Outros exames, como função tireoidiana, renal e enzimas hepáticas, estavam normais. O teste para COVID-19 foi negativo. O eletrocardiograma (ECG) mostrou ritmo cardíaco anormal, inversões da onda T (que podem indicar sobrecarga cardíaca) e prolongamento do intervalo QT corrigido (QTc) para 509 milissegundos (fator de risco para arritmias).

Achados de Imagem

A paciente realizou vários exames de imagem, que revelaram anormalidades significativas:

A radiografia de tórax mostrou marcações intersticiais reticulares difusas (padrões pulmonares anormais) e aumento da silhueta cardíaca. A ultrassonografia abdominal identificou cistos hepáticos, derrame pleural (líquido ao redor dos pulmões) e hidronefrose (inchaço dos rins) bilateral.

As tomografias computadorizadas (TC) de tórax e abdome revelaram:

  • Derrame e espessamento pericárdico (ao redor do coração)
  • Derrame pleural à esquerda
  • Derrame pararrenal bilateral (ao redor dos rins)
  • Alterações infiltrativas na gordura do mediastino (área entre os pulmões)
  • Espessamento extenso anormal de tecidos moles no espaço retroperitoneal, envolvendo ambos os rins e a aorta

A ecocardiografia (ultrassom do coração) mostrou tamanho e função de bombeamento normais, mas identificou uma estrutura ecogênica irregular de cerca de 2 cm de espessura adjacente à raiz da aorta, além de material ecogênico no espaço pericárdico.

A ressonância magnética cardíaca (RM) evidenciou realce anormal com gadolínio (sugerindo inflamação ou fibrose) no pericárdio e edema de tecidos moles no mediastino, sem envolvimento do músculo cardíaco.

Diagnóstico Diferencial

A equipe médica considerou várias hipóteses para explicar os sintomas e achados:

Infecção: Devido ao uso de imunossupressor (metotrexato), foram consideradas infecções como tuberculose ou doença de Lyme. No entanto, os testes anteriores foram negativos, e ela não apresentava sintomas típicos como febre.

Câncer: As alterações generalizadas nos tecidos moles poderiam sugerir linfoma ou câncer metastático. Contudo, não havia perda de peso, sudorese noturna ou aumento de linfonodos, comuns nessas condições.

Doenças Inflamatórias: Dada a artrite reumatoide, ponderou-se uma manifestação atípica da doença autoimune. No entanto, o extenso envolvimento de tecidos moles seria incomum para vasculite reumatoide (inflamação vascular relacionada à artrite).

Doença Relacionada a IgG4: Essa condição fibroinflamatória imunomediada pode afetar múltiplos órgãos. Geralmente cursa com níveis elevados de IgG4 (embora normais não a descartem) e padrões específicos na biópsia. A fibrose retroperitoneal e o possível envolvimento pancreático da paciente eram compatíveis.

Doença de Erdheim-Chester: Essa rara desordem histiocítica não Langerhans afeta múltiplos sistemas. O envolvimento cardiovascular ocorre em cerca de um terço dos pacientes, com manifestações incluindo doença pericárdica (13% dos casos), doença aórtica e vascular (17%) e infiltração miocárdica (25%). Os achados de imagem de envolvimento periaórtico e revestimento circunferencial de tecidos moles da aorta torácica e abdominal foram altamente sugestivos desse diagnóstico.

Impressões Clínicas

A equipe concluiu que o quadro da paciente era mais compatível com doença de Erdheim-Chester, uma desordem rara caracterizada pelo acúmulo de células sanguíneas brancas anormais (histiócitos) em tecidos do corpo. Evidências importantes incluem:

  • Espessamento de tecidos moles envolvendo aorta, rins e coração
  • Envolvimento pericárdico causando sintomas de insuficiência cardíaca
  • Marcadores inflamatórios elevados
  • Ausência de indicativos de infecção ou câncer

A equipe recomendou biópsia do tecido afetado para confirmação diagnóstica, necessária antes de iniciar o tratamento adequado.

O Que Isso Significa para os Pacientes

Este caso ilustra pontos importantes para pacientes com doenças autoimunes:

Primeiro, sintomas novos como falta de ar em alguém com artrite reumatoide nunca devem ser atribuídos apenas à condição pré-existente. A intolerância ao exercício dessa paciente progrediu em semanas a ponto de impedi-la de dormir deitada—sinais de alerta que exigiram investigação completa.

Segundo, doenças autoimunes podem afetar partes inesperadas do corpo. Embora a artrite reumatoide typically envolva articulações, pode raramente atingir outros sistemas, ou o paciente pode desenvolver condições autoimunes adicionais que acometem órgãos como coração, pulmões ou rins.

Terceiro, o diagnóstico frequentemente requer múltiplos exames. Esta paciente passou por testes sanguíneos, estudos de imagem (radiografia, TC, RM, ultrassom) e cardíacos (ECG, ecocardiograma) para compor o quadro completo. Às vezes, uma biópsia é necessária para fechar o diagnóstico.

Por fim, doenças raras demandam avaliação especializada. Os médicos consideraram várias condições incomuns antes de chegar ao diagnóstico mais provável. Pacientes com casos complexos frequentemente se beneficiam de avaliação em centros especializados com experiência em doenças raras.

Se você tem uma doença autoimune e desenvolve sintomas novos—especialmente falta de ar, inchaço inexplicado ou intolerância ao exercício—é crucial comunicar essas mudanças à sua equipe de saúde rapidamente. O reconhecimento precoce e o diagnóstico de complicações incomuns podem levar a tratamentos mais eficazes e melhores resultados.

Informações da Fonte

Título do Artigo Original: Caso 18-2025: Uma Mulher de 63 Anos com Dispneia aos Esforços

Autores: Malissa J. Wood, Carola A. Maraboto Gonzalez, Reece J. Goiffon, Eric D. Jacobsen, Bailey M. Hutchison, Dennis C. Sgroi, Eric S. Rosenberg

Publicação: The New England Journal of Medicine, 26 de junho de 2025

DOI: 10.1056/NEJMcpc2300897

Este artigo em linguagem acessível baseia-se em pesquisa revisada por pares da série Registros de Casos do Massachusetts General Hospital.