A principal especialista em cirurgia do câncer colorretal, Dra. Nelya Melnitchouk, detalha a abordagem multidisciplinar para o diagnóstico e tratamento do câncer retal. Ela ilustra o processo por meio do caso de um homem de 50 anos com sangramento retal, descrevendo as etapas desde a colonoscopia inicial até a quimiorradiação neoadjuvante e a cirurgia com preservação esfincteriana. A médica ressalta a importância crucial de não atribuir o sangramento retal apenas a hemorroidas sem investigação adequada. A discussão também aborda as expectativas no pós-operatório, incluindo a Síndrome da Ressecção Anterior Baixa (SRAB).
Diagnóstico e Tratamento Multidisciplinar do Câncer Retal Localmente Avançado
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- Avaliação do Sangramento Retal e Diagnóstico Inicial
- Avaliação no Centro Multidisciplinar de Câncer
- Estadiamento do Câncer Retal Localmente Avançado
- Quimiorradioterapia Neoadjuvante
- Opções Cirúrgicas com Preservação Esfincteriana
- Recuperação Pós-Operatória e Expectativas
- Transcrição Completa
Avaliação do Sangramento Retal e Diagnóstico Inicial
O sangramento retal é um sintoma comum que exige avaliação médica imediata. A Dra. Nelya Melnitchouk descreve um caso típico de um homem de 50 anos com esse sintoma. O primeiro passo é sempre uma consulta com um clínico geral ou médico de atenção primária. É realizado um toque retal, que pode não detectar todos os tumores, especialmente lesões menores ou localizadas mais acima.
O exame mais importante para o diagnóstico é a colonoscopia. Esse procedimento permite visualizar diretamente todo o cólon e o reto. No caso apresentado pela Dra. Melnitchouk, a colonoscopia identificou um câncer retal distal de cerca de quatro centímetros. Esse achado leva ao encaminhamento imediato para uma equipe especializada em oncologia para dar continuidade ao tratamento.
Avaliação no Centro Multidisciplinar de Câncer
A abordagem multidisciplinar é a base do tratamento moderno do câncer retal. A Dra. Nelya Melnitchouk ressalta que, após o encaminhamento, os pacientes são avaliados por uma equipe de especialistas, incluindo cirurgião oncologista, oncologista clínico e radio-oncologista. Cada um contribui com uma perspectiva única para definir a melhor estratégia de tratamento.
O Dr. Anton Titov e a Dra. Melnitchouk destacam a importância do comitê de tumores, uma reunião em que todos os especialistas revisam o caso em conjunto. Esse comitê garante o alinhamento de todos no plano de tratamento, sendo fundamental para obter os melhores resultados em casos complexos de câncer retal localmente avançado.
Estadiamento do Câncer Retal Localmente Avançado
O estadiamento preciso é determinante para definir a conduta no câncer retal. Após a tomografia computadorizada de tórax, abdômen e pelve afastar a presença de metástases à distância, a ressonância magnética do reto é essencial. A Dra. Nelya Melnitchouk explica que a ressonância fornece imagens detalhadas da parede retal e dos tecidos vizinhos, permitindo identificar linfonodos aumentados e a profundidade da invasão tumoral.
No caso em questão, a ressonância confirmou um tumor T3 com linfonodos comprometidos, caracterizando um câncer localmente avançado. Esse estadiamento é crucial, pois define a necessidade de tratamento antes da cirurgia, com o objetivo de reduzir o tumor e tratar eventuais focos microscópicos nos linfonodos, melhorando os resultados cirúrgicos e a sobrevida em longo prazo.
Quimiorradioterapia Neoadjuvante
A terapia neoadjuvante é o padrão-ouro para o câncer retal localmente avançado, consistindo na administração de quimioterapia e radioterapia antes da cirurgia. A Dra. Nelya Melnitchouk observa que essa abordagem traz diversos benefícios: pode reduzir o estágio do tumor, facilitando sua remoção completa, trata as cadeias linfonodais e aumenta as chances de preservação esfincteriana.
Os pacientes geralmente passam por um ciclo de quimiorradioterapia combinada, seguido por um intervalo de cerca de seis semanas. Esse período permite a resposta máxima e a redução tumoral, sendo crítico para planejar a ressecção cirúrgica e otimizar os resultados funcionais.
Opções Cirúrgicas com Preservação Esfincteriana
O objetivo da cirurgia no câncer retal é a remoção completa do tumor, preservando a função sempre que possível. A Dra. Melnitchouk, cirurgiã colorretal, avalia a distância do tumor em relação à margem anal para determinar se os músculos esfincterianos podem ser preservados. Neste caso, o tumor era distal, mas acima dos esfíncteres, permitindo um procedimento com preservação esfincteriana.
A operação realizada foi uma ressecção anterior baixa, que remove a parte afetada do reto preservando o esfíncter anal. Para proteger a nova conexão (anastomose) na pelve, foi criada uma ileostomia temporária, que desvia as fezes da área em cicatrização. A ileostomia é geralmente revertida em uma segunda cirurgia, menor, alguns meses depois.
Recuperação Pós-Operatória e Expectativas
A vida após a cirurgia de câncer retal envolve um período significativo de adaptação. A Dra. Nelya Melnitchouk destaca uma condição comum conhecida como Síndrome da Ressecção Anterior Baixa (SRAB), que envolve alterações na função intestinal, como aumento da frequência e urgência evacuatória. Os pacientes podem experimentar "agrupamento", precisando ir ao banheiro várias vezes em um curto intervalo.
Gerenciar as expectativas do paciente é parte crucial do aconselhamento pré-operatório. A Dra. Melnitchouk e o Dr. Titov concordam que os pacientes devem estar preparados para essas mudanças. Embora a maioria se adapte com o tempo, entender a SRAB previamente facilita o enfrentamento. Essa discussão franca sobre a qualidade de vida pós-tratamento é um componente essencial do cuidado integral no câncer retal.
Transcrição Completa
Dr. Anton Titov: Você poderia discutir uma situação clínica? Talvez descrevendo um caso que ilustre como estabelecer o diagnóstico correto no câncer de cólon ou reto, tanto do ponto de vista médico quanto do paciente. Como oferecer o melhor tratamento para o câncer colorretal? Você tem vasta experiência nessa área. Que tal pensarmos em um caso composto relevante para o diagnóstico e tratamento do câncer colorretal?
Dra. Nelya Melnitchouk: Sim, claro. Vamos imaginar um homem de 50 anos que começou a apresentar sangramento retal. O primeiro passo seria procurar um médico de atenção primária, como fez este paciente. O clínico geral realizou um toque retal, mas não detectou nada.
O próximo passo diagnóstico crucial foi encaminhá-lo para uma colonoscopia. O exame foi feito e identificou um câncer retal distal, com cerca de quatro centímetros. Então, o paciente foi avaliado por um cirurgião, um oncologista clínico e um radio-oncologista.
Isso é o que geralmente acontece na avaliação de pacientes com câncer retal: uma abordagem multidisciplinar. Exatamente. Quando encaminhados a um centro oncológico, esses pacientes são vistos pelo oncologista clínico, radio-oncologista e cirurgião. Depois, também discutimos os casos em nosso comitê de tumores multidisciplinar. Todos ficam alinhados sobre a conduta.
É isso que ocorre quando o paciente me procura. Como cirurgiã, avalio o câncer para determinar seu estágio e quão distal ele está, o que orienta a abordagem cirúrgica que posso oferecer.
Suponhamos que o paciente não tenha doença metastática—a tomografia de tórax, abdômen e pelve não mostrou metástases, mas revelou alguns linfonodos aumentados. Por se tratar de câncer retal, indicamos uma ressonância magnética retal. O exame confirmou linfonodos aumentados e um tumor T3.
Classificamos esse câncer como localmente avançado. Segue-se uma discussão das opções de tratamento com o oncologista clínico e o radio-oncologista, e o paciente é orientado a fazer quimioterapia e radioterapia neoadjuvante. Há nuances nesse tratamento, mas não as detalharei agora.
Para mim, como cirurgiã, também é importante verificar a distância do tumor em relação à margem anal—se envolve os músculos esfincterianos ou não—para definir se é possível uma ressecção com preservação esfincteriana ou se será necessária uma ressecção abdominoperineal com colostomia permanente.
Mesmo sendo distal, o tumor estava logo acima dos esfíncteres. O paciente fez quimioterapia e radioterapia. Aguardamos seis semanas após o término do tratamento para então realizar uma ressecção anterior baixa, que preserva o esfíncter anal.
O paciente teve uma ileostomia temporária para proteger a anastomose no fundo da pelve, revertida posteriormente em outra cirurgia. É importante que os pacientes com câncer retal, especialmente os distais, saibam que a função intestinal pós-operatória não será a mesma.
Eles podem ter evacuações mais frequentes e o chamado "agrupamento"—precisam ir ao banheiro várias vezes em um curto período. A maioria se adapta com o tempo, mas é algo a ser considerado após a cirurgia. Isso é conhecido como Síndrome da Ressecção Anterior Baixa (SRAB). Exatamente.
Ao avaliar um paciente com câncer retal, é fundamental discutir todos os possíveis desfechos pós-operatórios, incluindo a SRAB, para que ele esteja preparado após o tratamento. A discussão de expectativas é um passo muito importante.
O cirurgião colorretal e os demais médicos envolvidos no plano terapêutico precisam abordar todas essas questões com o paciente. Exatamente! Há muitos aspectos no tratamento do câncer retal a serem considerados, como a quimiorradioterapia neoadjuvante e a avaliação de linfonodos limítrofes. Por isso, uma discussão no comitê de tumores é crucial.
Reunir-se com oncologistas clínicos, radio-oncologistas e outros cirurgiões é muito importante no tratamento do câncer colorretal. Mas voltando ao evento diagnóstico inicial: quando uma pessoa nota sangramento retal ou algum desconforto, é essencial investigar esses sintomas.
É fundamental não atribuí-los simplesmente a "hemorroidas", o que infelizmente ainda acontece. É preciso garantir que não seja algo mais grave, como no caso hipotético que discutimos.
Dr. Anton Titov: Exatamente! Muitas vezes, o sangramento retal é erroneamente atribuído a hemorroidas ou outras causas benignas. É muito importante realizar uma colonoscopia para afastar câncer colorretal.
Dra. Melnitchouk, muito obrigado por esta conversa. É crucial que pacientes e familiares em todo o mundo compreendam verdadeiramente o processo de decisão no câncer de cólon e reto. Encontrar o melhor tratamento para o câncer colorretal é complexo, e é fundamental ser minucioso para alcançar os melhores resultados. Muito obrigado!
Dra. Nelya Melnitchouk: Obrigada por conversar comigo!