Pacientes com apendicite aguda não complicada atualmente contam com duas opções terapêuticas seguras: cirurgia imediata (apendicectomia) ou tratamento inicial com antibióticos. Estudos relevantes, envolvendo mais de 4.000 pacientes, mostram que cerca de 60% a 70% dos tratados com antibióticos evitam a cirurgia a princípio, embora 30% a 40% possam necessitar de apendicectomia em até cinco anos. O tratamento com antibióticos resulta em menos dias de incapacidade (de 4 a 7 dias, contra 7 a 19 dias) e qualidade de vida semelhante à cirurgia, enquanto a apendicectomia oferece tratamento definitivo, com mortalidade muito baixa (0,05%). A presença de apendicolito (encontrado em 25% dos casos) aumenta a probabilidade de necessidade de cirurgia após o tratamento com antibióticos.
Compreendendo Suas Opções para o Tratamento da Apendicite Aguda Não Complicada
Sumário
- Introdução: O que é Apendicite Aguda Não Complicada?
- Opções de Tratamento: Cirurgia versus Antibióticos
- Principais Estudos e Achados de Pesquisa
- Taxas de Sucesso do Tratamento e Desfechos
- Complicações e Riscos Potenciais
- Comparação da Recuperação e Qualidade de Vida
- Decisão Compartilhada: Escolhendo Seu Tratamento
- Detalhes do Tratamento: O que Esperar
- Limitações e Considerações dos Estudos
- Recomendações ao Paciente e Próximos Passos
- Informações da Fonte
Introdução: O que é Apendicite Aguda Não Complicada?
A apendicite aguda é a causa mais comum de cirurgia abdominal de emergência, afetando pessoas de todas as idades, com um risco ao longo da vida de 7% a 8%. O pico de incidência ocorre entre 10 e 19 anos. A apendicite não complicada refere-se à inflamação localizada sem ruptura, abscesso ou infecção disseminada, representando cerca de 80% de todos os casos.
Tradicionalmente, a apendicite era tratada exclusivamente com cirurgia de urgência (apendicectomia). No entanto, nas últimas três décadas, diversos ensaios clínicos demonstraram que o tratamento apenas com antibióticos pode ser uma estratégia inicial segura para candidatos adequados. Este artigo explica ambas as opções de tratamento com base nas pesquisas médicas mais recentes, para ajudar os pacientes a tomar decisões informadas sobre seu cuidado.
Opções de Tratamento: Cirurgia versus Antibióticos
Pacientes com apendicite não complicada confirmada têm atualmente duas abordagens de tratamento baseadas em evidências:
- Apendicectomia (cirurgia): Remoção do apêndice por meio de cirurgia aberta ou laparoscópica (minimamente invasiva)
- Tratamento não operatório: Manejo inicial com antibióticos, controle da dor e monitoramento cuidadoso, reservando a cirurgia para quem não responde ou apresenta recorrência
A apendicectomia requer anestesia geral e geralmente envolve hospitalização, embora em alguns casos possa ser realizada de forma ambulatorial. Nos Estados Unidos e na Europa, a maioria das apendicectomias é feita por via laparoscópica, associada a menos infecções da ferida e recuperação mais rápida em comparação à cirurgia aberta, embora possa ser mais custosa.
O tratamento não operatório inclui antibióticos por 7 a 10 dias, manejo da dor e acompanhamento rigoroso. Essa abordagem não costuma exigir hospitalização e não está associada a um risco aumentado de ruptura do apêndice quando monitorada adequadamente.
Principais Estudos e Achados de Pesquisa
A evidência que apoia ambas as opções de tratamento vem de pesquisas extensas envolvendo mais de 4.000 pacientes em múltiplos estudos. Três grandes investigações formam a base do nosso entendimento:
- Estudo APPAC (Finlândia): Ensaio controlado randomizado com 530 participantes adultos acompanhados por 5 anos
- Estudo CODA (Estados Unidos): Ensaio controlado randomizado com 1.552 participantes adultos, com desfechos relatados em 90 dias
- Estudo MWPSC (Pediátrico): Maior ensaio pediátrico, envolvendo 1.068 crianças de 7 a 17 anos em 10 hospitais infantis, com desfechos de 1 ano
Esses estudos utilizaram imagem (tomografia computadorizada para adultos, ultrassom para crianças) para confirmar o diagnóstico de apendicite não complicada antes do tratamento. A maioria excluiu pacientes com apendicolito (depósito calcificado encontrado em cerca de 25% dos casos de apendicite), embora o estudo CODA tenha incluído pacientes com essa condição.
Taxas de Sucesso do Tratamento e Desfechos
A probabilidade de evitar a cirurgia com tratamento antibiótico varia conforme as características do paciente e a duração do acompanhamento:
- Estudo APPAC: 94% dos pacientes melhoraram durante a hospitalização inicial com antibióticos, mas 27% foram submetidos à apendicectomia dentro de 1 ano
- Estudo MWPSC (crianças): Taxa de resposta inicial de 86% com antibióticos, com 33% submetendo-se à apendicectomia em 1 ano
- Estudo CODA: Pacientes sem apendicolito tiveram taxa de resposta inicial de 92%, enquanto aqueles com apendicolito tiveram 78%
Aos 90 dias no estudo CODA, as taxas de apendicectomia foram de 25% para pacientes sem apendicolito e 41% para aqueles com apendicolito. Dados de longo prazo mostram que cerca de 30% a 40% dos pacientes tratados com antibióticos eventualmente serão submetidos à apendicectomia dentro de 5 anos, geralmente nos primeiros 1 a 2 anos.
A taxa de mortalidade em 30 dias para apendicectomia em apendicite não complicada é extremamente baixa, em aproximadamente 0,5 por 1.000 pacientes (0,05%), embora seja cerca de duas vezes maior entre idosos comparados a adolescentes.
Complicações e Riscos Potenciais
Ambas as abordagens de tratamento apresentam perfis de risco diferentes:
Para o tratamento com antibióticos, pacientes com apendicolito têm taxas de complicação mais altas. No estudo CODA, pacientes com apendicolito que receberam antibióticos tiveram taxa de 14% de complicações atendendo aos critérios do National Surgical Quality Improvement Program (como abscessos de qualquer tamanho), comparado a 3% no grupo de cirurgia. No entanto, a incidência de eventos adversos graves foi similar (6% vs 4%).
Nenhuma morte de participante ocorreu em qualquer dos três principais estudos. É importante destacar que pesquisas mostram que adiar a cirurgia enquanto se toma antibióticos não aumenta o risco de perfuração. De fato, o estudo CODA constatou que pacientes sem apendicolito tiveram taxas de perfuração mais baixas com tratamento antibiótico comparado à cirurgia.
Há um risco muito pequeno (0,9% em um estudo com 21.069 espécimes) de que câncer possa ser encontrado durante a apendicectomia, embora esse risco seja menor em pacientes abaixo de 50 anos. No estudo APPAC, câncer foi detectado em 4 de 272 pacientes submetidos à cirurgia (todos na apendicectomia inicial), comparado a nenhum dos 260 pacientes tratados com antibióticos no acompanhamento de 5 anos.
Comparação da Recuperação e Qualidade de Vida
O tempo de recuperação difere significativamente entre as duas abordagens:
- Dias de incapacidade: Tratamento com antibióticos resultou em significativamente menos dias de incapacidade – 7 dias vs 19 dias no estudo APPAC e 4 dias vs 7 dias no estudo MWPSC
- Estudo CODA: Pacientes que receberam antibióticos tiveram menos dias médios de incapacidade no acompanhamento de 90 dias (5 dias vs 8 dias)
- Qualidade de vida: Todos os estudos mostraram desfechos de qualidade de vida similares entre os grupos de tratamento, usando ferramentas de avaliação padronizadas
Padrões de utilização de cuidados de saúde diferem entre as abordagens. No estudo CODA, pacientes tratados com antibióticos tiveram a mesma duração de permanência na visita inicial (média de 1,3 dias), mas mais hospitalizações posteriores e visitas ao pronto-socorro (24% vs 5% e 9% vs 5%, respectivamente) ao longo de 90 dias. No estudo MWPSC, crianças tratadas com antibióticos tiveram mais hospitalizações posteriores, mas menos outras visitas de emergência ao longo de 1 ano.
Decisão Compartilhada: Escolhendo Seu Tratamento
A abordagem médica atual enfatiza a decisão compartilhada, em que pacientes e médicos discutem opções com base em circunstâncias individuais e preferências. Médicos devem apresentar ambas as opções de forma objetiva, sem viés em relação a qualquer abordagem.
Fatores importantes a considerar incluem:
- Suas responsabilidades pessoais e familiares (antibióticos podem permitir retorno mais rápido ao trabalho/cuidados)
- Experiências cirúrgicas prévias
- Flexibilidade de agenda para possível cuidado de acompanhamento
- Planos de viagem (recorrência pode ocorrer longe de casa)
- Despesas diretas esperadas
- Tolerância pessoal para incerteza versus tratamento definitivo
Pacientes devem ser tranquilizados de que têm tempo para considerar as opções – a noção ultrapassada de que um apêndice inflamado inevitavelmente irá romper sem cirurgia imediata foi amplamente abandonada com base nas evidências atuais.
Detalhes do Tratamento: O que Esperar
Manejo da dor deve começar antes das decisões finais de tratamento. Pesquisas mostram que o controle da dor não leva a imprecisão diagnóstica. Anti-inflamatórios não esteroides (AINEs) são seguros antes da apendicectomia, sem aumento do risco de sangramento, e podem reduzir a necessidade de opioides.
Esquemas antibióticos para tratamento não operatório devem cobrir bactérias Gram-negativas e anaeróbias, tipicamente incluindo:
- Antibióticos parenterais (IV) inicialmente, às vezes transicionando para medicações orais
- Esquemas comuns incluem metronidazol com uma cefalosporina de geração avançada ou fluoroquinolona
- Duração total do tratamento de 7 a 10 dias
- Alguns pacientes podem ser tratados apenas com antibióticos orais, embora essa abordagem não tenha se mostrado equivalente à terapia combinada IV/oral
Expectativas de recuperação diferem entre as abordagens. Após apendicectomia laparoscópica, a maioria dos pacientes recebe alta no dia seguinte e retorna às atividades normais dentro de 1 a 2 semanas, evitando atividade extenuante por 3 a 5 dias. Com tratamento antibiótico, dor, febre e outros sintomas geralmente desaparecem em cerca de 2 dias, com aproximadamente metade dos pacientes apresentando melhora significativa dos sintomas dentro de 24 horas.
Limitações e Considerações dos Estudos
Embora a evidência que apoia ambas as abordagens de tratamento seja robusta, várias limitações devem ser consideradas:
- A maioria dos estudos excluiu pacientes com certos fatores de risco (imunodeficiência, doença inflamatória intestinal, gravidez)
- Alguns ensaios excluíram pacientes com sintomas durando mais de 48 horas, contagens muito altas de leucócitos ou diâmetro grande do apêndice
- O estudo CODA foi o único grande estudo que incluiu pacientes com apendicolito
- Técnicas cirúrgicas variaram entre estudos (principalmente cirurgia aberta no APPAC, principalmente laparoscópica no CODA e MWPSC)
- Dados de longo prazo além de 5 anos são limitados
Cerca de 8% dos adultos com suspeita de apendicite na tomografia computadorizada apresentam apêndice normal durante a cirurgia. Além disso, até 20% dos pacientes com apendicite não complicada na tomografia são encontrados com ruptura apendicular ou abscesso durante a cirurgia.
Recomendações ao Paciente e Próximos Passos
Com base nas evidências atuais, pacientes com apendicite não complicada devem:
- Discutir ambas as opções minuciosamente com seu provedor de saúde
- Considerar suas circunstâncias pessoais – responsabilidades trabalho/família, tolerância à incerteza e preferências
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Estar ciente de fatores que podem tornar o tratamento antibiótico menos bem-sucedido:
- Presença de apendicolito (25% dos casos)
- Idade acima de 45 anos
- Sintomas durando mais de 48 horas
- Febre ou marcadores inflamatórios elevados
- Líquido ou ar extraluminal na imagem
- Garantir controle adequado da dor independentemente da escolha de tratamento
- Comprometer-se com o acompanhamento necessário, especialmente se optar por tratamento antibiótico
- Buscar cuidado imediato se os sintomas piorarem ou mudarem, independentemente da abordagem de tratamento
As diretrizes de sociedades profissionais, como a American Association for the Surgery of Trauma (2018) e o National Institute for Health and Care Excellence (2019), reconhecem atualmente que tanto a cirurgia quanto as abordagens não operatórias são opções razoáveis para a apendicite não complicada.
Informações da Fonte
Artigo Original: "Tratamento da Apendicite Aguda Não Complicada" por David A. Talan, M.D., e Salomone Di Saverio, M.D., Ph.D.
Publicação: The New England Journal of Medicine, 16 de setembro de 2021, Volume 385, Edição 12, Páginas 1116-1123
DOI: 10.1056/NEJMcp2107675
Este artigo de linguagem acessível baseia-se em pesquisas revisadas por pares e visa traduzir informações médicas complexas em conteúdo compreensível para pacientes com nível educacional elevado. Consulte sempre seu profissional de saúde para orientação médica personalizada.