O renomado especialista em reumatologia pediátrica, Dr. Randy Cron, explica como uma tempestade de citocinas desencadeia a Síndrome Inflamatória Multissistêmica Pediátrica (SIM-P) após a COVID-19. Trata-se de uma condição inflamatória pós-viral rara, porém grave, que costuma surgir cerca de um mês após a infecção pelo SARS-CoV-2. Crianças menores apresentam sintomas semelhantes aos da doença de Kawasaki, enquanto adolescentes frequentemente evoluem para um estado de choque, necessitando de internação em terapia intensiva. O tratamento inclui imunoglobulina intravenosa (IVIG) e corticosteroides. Com os cuidados médicos adequados, a maioria das crianças se recupera rapidamente.
Compreendendo a SIM-P: Síndrome Inflamatória Multissistêmica Pediátrica Pós-COVID
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- O que é SIM-P?
- SIM-P versus Doença de Kawasaki
- Apresentação Clínica e Sintomas
- Diagnóstico e Exames
- Opções de Tratamento
- Prognóstico e Recuperação
- Transcrição Completa
O que é SIM-P?
A Síndrome Inflamatória Multissistêmica Pediátrica (SIM-P) é uma condição grave que surge após a infecção por COVID-19. Segundo o Dr. Randy Cron, trata-se de uma complicação inesperada que emergiu durante a pandemia. Atinge uma parcela muito pequena de crianças, geralmente cerca de um mês após a infecção pelo SARS-CoV-2. A síndrome é causada por uma resposta imune desregulada, frequentemente descrita como uma "tempestade de citocinas", que pode afetar múltiplos órgãos. O Dr. Randy Cron também observa que fatores genéticos podem predispor algumas crianças a desenvolver a SIM-P.
SIM-P versus Doença de Kawasaki
A SIM-P apresenta sobreposição clínica significativa com a doença de Kawasaki, especialmente em crianças menores. Conforme explica o Dr. Randy Cron, crianças de até cinco anos com SIM-P frequentemente exibem características idênticas às da doença de Kawasaki. Ambas as condições envolvem inflamação sistêmica e vasculite, com risco de danos às artérias coronárias. Essa semelhança fez com que, inicialmente, especialistas suspeitassem de uma síndrome semelhante à de Kawasaki. A conexão também trouxe novos insights, sugerindo que alguns casos de Kawasaki podem ser desencadeados por infecções prévias por coronavírus.
Apresentação Clínica e Sintomas
Os sintomas da SIM-P variam conforme a idade. O Dr. Randy Cron detalha que crianças menores geralmente apresentam febre persistente por cinco dias ou mais, exantema, linfonodos aumentados no pescoço e alterações orais como a "língua de morango". Edema nas mãos e pés também é comum. Já os adolescentes costumam evoluir mais gravemente, muitas vezes em estado de choque, com hipotensão, taquicardia e taquipneia, simulando um quadro séptico. Uma porcentagem significativa desses casos requer internação em UTI e suporte com medicamentos para manter a função cardíaca e a pressão arterial.
Diagnóstico e Exames
O diagnóstico da SIM-P envolve confirmar uma infecção recente por COVID-19 e identificar a síndrome inflamatória característica. O Dr. Randy Cron ressalta que, no momento do aparecimento dos sintomas, o teste de PCR para SARS-CoV-2 costuma ser negativo. Por isso, o diagnóstico depende de sorologia para comprovar infecção prévia—especialmente relevante, já que até 40% das crianças podem ter tido a infecção de forma assintomática. O quadro clínico é confirmado pela combinação de febre, envolvimento de múltiplos órgãos e marcadores inflamatórios muito elevados, na ausência de outras causas plausíveis.
Opções de Tratamento
O tratamento da SIM-P foca em modular a resposta imune hiperativa. Conforme explica o Dr. Randy Cron, a primeira linha é a imunoglobulina intravenosa (IVIG), um tratamento adaptado dos protocolos da doença de Kawasaki. A IVIG, composta por anticorpos de múltiplos doadores, ajuda a reduzir a inflamação. Para casos que não respondem adequadamente, adicionam-se glicocorticoides (esteroides). Em situações refratárias, podem ser usadas terapias biológicas, como bloqueadores de IL-1 ou TNF. O objetivo é controlar rapidamente a inflamação, dar suporte aos órgãos e, principalmente, prevenir danos às artérias coronárias.
Prognóstico e Recuperação
Apesar da apresentação grave, o prognóstico da SIM-P costuma ser favorável com tratamento precoce. O Dr. Randy Cron relata que, em sua instituição, a média de internação foi de cinco dias. As crianças melhoram relativamente rápido, mesmo as que precisaram de UTI. No entanto, ele alerta que a condição não é benigna: a taxa de mortalidade global fica entre 1,5% e 2%. Nos casos mais críticos, algumas crianças necessitaram de oxigenação por membrana extracorpórea (ECMO) para suporte cardíaco. Felizmente, com a intervenção precoce com IVIG e esteroides, a maioria se recupera completamente.
Transcrição Completa
Dr. Anton Titov, MD: O que é a SIM-P? Por que ela ocorre?
Dr. Randy Cron, MD: É uma ótima pergunta. Em primeiro lugar, a SIM-P pegou quase todos de surpresa. Não esperávamos que surgisse; apareceu meio do nada.
Um aspecto interessante da pandemia de coronavírus é que, em geral, as crianças são poupadas de formas graves da doença. Claro, há subgrupos que infelizmente precisam ser hospitalizados por infecção severa. Mas essa entidade, a SIM-P—ou síndrome inflamatória multissistêmica pediátrica—também afeta adultos jovens, quando é chamada de SIM-A. Acreditamos que seja basicamente o mesmo processo.
Ela surge quase exatamente um mês após a infecção—a janela é de duas a seis semanas. Na minha experiência, é quase sempre um mês depois que a criança foi infectada. Atinge uma parcela muito pequena de crianças. Ainda não conhecemos todos os fatores de risco, mas estamos começando a identificar alguns genéticos que podem predispor certas crianças a desenvolvê-la.
A apresentação varia com a idade. Crianças menores, de até cinco anos, se assemelham a outra condição reumatológica: a doença de Kawasaki. Inicialmente, na Europa—onde os casos surgiram antes da onda maior nos EUA—pensou-se que fosse Kawasaki, já que os sintomas são muito parecidos.
A doença de Kawasaki também é rara e envolve inflamação dos vasos sanguíneos, com risco principalmente para as artérias coronárias, que irrigam o coração.
As crianças com Kawasaki quase sempre apresentam febre—são necessários cinco dias consecutivos. Além disso, podem ter exantema, linfonodos aumentados, alterações na boca e lábios (como língua de morango) e edema nas mãos e pés, seguido de descamação. Há outras características também.
Já a SIM-P surge cerca de um mês após a infecção por coronavírus, que pode ter sido assintomática—até 40% das infectadas não apresentam sintomas. Mas a sorologia comprova a infecção prévia.
Geralmente, quando a SIM-P se manifesta, o PCR já é negativo ou pouco detectável, indicando que não há infecção ativa. Mas o sistema imune reage de forma exagerada. Isso também nos fez pensar que a própria doença de Kawasaki pode ser uma síndrome que, em alguns casos, é desencadeada por coronavírus, inclusive o SARS-CoV-2.
Enquanto as crianças menores se apresentam como descrito, os adolescentes costumam evoluir com choque. Têm febre, podem ou não ter exantema, mas chegam ao pronto-socorro em estado grave, como se estivessem com sepse—mas não é um processo infeccioso, e sim pós-infeccioso.
Apresentam pressão muito baixa, frequência cardíaca elevada e respiração acelerada—não porque os pulmões estejam comprometidos como na COVID, mas devido ao choque. Recebem reposição volêmica, como soro fisiológico, o que ajuda um pouco. Mas uma porcentagem surpreendente acaba precisando de UTI.
Algumas necessitam de medicamentos para sustentar o coração e a pressão, como vasopressores (adrenalina ou dopamina), às vezes em combinação.
Dr. Randy Cron, MD: O tratamento inicial, pela semelhança com a Kawasaki e o risco coronariano, é a imunoglobulina intravenosa (IVIG)—um pool de anticorpos de múltiplos doadores. Não sabemos exatamente como funciona, mas desde os anos 80 sabemos que reduz significativamente o risco de dilatações ou aneurismas das coronárias.
Antes da IVIG, até 25% das crianças desenvolviam esses problemas; depois, menos de 2%. Foi um avanço dramático. Pelas semelhanças, especialmente nas crianças menores, foi a primeira opção. Nossos colegas na Europa—Itália, Reino Unido e outros—já relatavam isso.
Quando a onda chegou ao Nordeste dos EUA (Nova York, Boston, Filadélfia), também começaram a usar IVIG. Funciona para a maioria. Para quem não responde, acrescentamos glicocorticoides (esteroides), como se faz na Kawasaki refratária.
Na SIM-P, se a IVIG não surtir efeito, usamos corticoides. No nosso hospital no Alabama, provavelmente atendemos cerca de 150 crianças nos últimos dois anos. Felizmente, nenhuma morreu, embora a mortalidade global seja de 1,5% a 2%. Não é algo benigno.
Mas, por mais graves que cheguem, as crianças melhoram rápido. A média de internação no nosso hospital foi de cinco dias—e, como o Alabama foi atingido depois do Nordeste, pudemos aprender com a experiência alheia.
Já sabíamos que devíamos usar IVIG logo e não hesitar em dar esteroides. Se ainda assim não fosse suficiente, poderíamos recorrer a agentes biológicos, como bloqueadores de IL-1 ou de TNF—que também mostraram benefício em Kawasaki refratária.
No pior dos casos, algumas crianças precisam de ECMO (oxigenação por membrana extracorpórea) se o coração não estiver funcionando. É um procedimento complexo, mas necessário.