O renomado especialista em trombose e hemostasia, Dr. Pier Mannucci, aborda a complexa relação entre câncer e coágulos sanguíneos. Ele detalha o uso de heparina de baixo peso molecular e anticoagulantes orais diretos na prevenção e tratamento de trombose em pacientes oncológicos. Dr. Mannucci esclarece que, embora a trombose venosa profunda possa ser um sinal precoce de câncer, o rastreamento extensivo não é recomendado. Ele também discute o papel limitado dos anticoagulantes na terapia oncológica e os dados mais promissores sobre o uso da aspirina na prevenção do câncer.
Câncer, Coágulos Sanguíneos e Terapia Anticoagulante: Um Guia Abrangente
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- A Ligação entre Câncer e Trombose
- Opções de Tratamento Anticoagulante
- TVP como Sinal de Rastreamento de Câncer
- Anticoagulantes na Terapia do Câncer
- Aspirina na Prevenção do Câncer
- Recomendações Clínicas e Conclusões
- Transcrição Completa
A Ligação entre Câncer e Trombose
O câncer é um fator de risco significativo e potente para o desenvolvimento de trombose venosa, especialmente a trombose venosa profunda (TVP). O Dr. Pier Mannucci, MD, ressalta que esse risco aumenta consideravelmente durante as fases ativas do tratamento oncológico, como quimioterapia e cirurgia. Alguns tipos de câncer, como os de pâncreas e do trato gastrointestinal (GI), apresentam um risco particularmente elevado de trombose. O estado de hipercoagulabilidade associado à malignidade exige medidas proativas para garantir a segurança do paciente.
Opções de Tratamento Anticoagulante
Para prevenir e tratar coágulos sanguíneos em pacientes com câncer, a terapia anticoagulante é o padrão de cuidado. O Dr. Pier Mannucci, MD, aponta a heparina de baixo peso molecular (HBPM) e os anticoagulantes orais diretos (DOACs, do inglês direct oral anticoagulants) como as principais opções. Ele observa que, embora os DOACs ofereçam a conveniência da administração oral, as evidências não comprovam sua superioridade em relação à HBPM. A HBPM tem um histórico consolidado como a melhor opção para o tratamento da trombose nessa população vulnerável, que pode estar trombocitopênica ou debilitada pela quimioterapia.
TVP como Sinal de Rastreamento de Câncer
O diagnóstico de trombose venosa profunda pode, por vezes, ser o primeiro sinal clínico de um câncer oculto. Em sua discussão com o Dr. Anton Titov, MD, o Dr. Mannucci reconhece essa realidade clínica, mas apresenta um contraponto crucial baseado em evidências: o rastreamento extensivo de câncer em pacientes com TVP não provocada e sem outros sintomas geralmente não é recomendado. Esse tipo de rastreamento mostrou-se não custo-efetivo e, mais importante, não altera o curso de qualquer câncer que venha a ser detectado.
Anticoagulantes na Terapia do Câncer
A ideia de usar anticoagulantes, como a heparina, para tratar o câncer em si ou prevenir metástases foi explorada. O Dr. Pier Mannucci, MD, oferece uma avaliação clara: embora dados experimentais iniciais tenham sido promissores, os estudos clínicos em humanos foram bastante decepcionantes. Ele esclarece que os anticoagulantes são administrados a pacientes com câncer especificamente para prevenir complicações trombóticas, e não para controlar a disseminação ou progressão da doença. Seu uso como terapia anticâncer direta geralmente causa mais problemas do que benefícios.
Aspirina na Prevenção do Câncer
A conversa com o Dr. Anton Titov, MD, também abordou a aspirina, um agente antiplaquetário. O Dr. Pier Mannucci, MD, destaca uma área de pesquisa mais promissora: o papel potencial da aspirina na prevenção do câncer. Grandes estudos observacionais com milhares de pessoas que usaram aspirina em baixa dose para prevenção cardiovascular observaram uma menor incidência de câncer, especialmente colorretal e de bexiga. O mecanismo proposto envolve a aspirina na prevenção da formação de "casulos" protetores ao redor de células cancerosas em metástase. Ensaios clínicos em andamento investigam especificamente esse benefício potencial.
Recomendações Clínicas e Conclusões
O Dr. Pier Mannucci, MD, conclui com orientações clínicas práticas. Ele enfatiza que a decisão de usar qualquer medicamento, inclusive aspirina para possível prevenção do câncer, deve basear-se em uma indicação primária clara, devido aos riscos de efeitos colaterais. Por exemplo, a aspirina é justificada para prevenção primária ou secundária de eventos cardiovasculares, sendo qualquer redução no risco de câncer um benefício secundário potencial. A entrevista com o Dr. Anton Titov, MD, oferece uma visão geral nuances, distinguindo os usos comprovados de anticoagulantes no tratamento da trombose de áreas mais especulativas, ainda que intrigantes, como a terapia e prevenção direta do câncer.
Transcrição Completa
Dr. Anton Titov, MD: Câncer e aumento da formação de coágulos sanguíneos em veias às vezes coexistem. A trombose venosa profunda, ou TVP, pode ser o primeiro sinal da presença de câncer no corpo. A heparina de baixo peso molecular tem sido usada para prevenir complicações relacionadas a coágulos em pacientes já diagnosticados com câncer. Mas será que a heparina de baixo peso molecular também pode ter um papel preventivo e protetor contra a formação do câncer, especialmente contra metástases? Como a heparina de baixo peso molecular e outros medicamentos antitrombóticos podem reduzir os riscos de câncer e a mortalidade por essa doença?
Dr. Pier Mannucci, MD: O câncer é um fator de risco conhecido para trombose, particularmente venosa. É um fator muito mais forte do que outros mencionados anteriormente. O risco de trombose é maior durante a fase ativa da quimioterapia e em certos tipos de câncer—como os do trato GI e o de pâncreas. Mas, em qualquer câncer, especialmente durante quimioterapia e cirurgia, a profilaxia com heparina de baixo peso molecular ou com os novos anticoagulantes orais diretos é crucial.
Falaremos mais sobre isso adiante. No que diz respeito à heparina, juntamente com os anticoagulantes orais diretos, é o tratamento de escolha. Alguns pacientes, mesmo com essa precaução, desenvolvem trombose.
Foi demonstrado que, comparada aos antagonistas da vitamina K, a heparina de baixo peso molecular é a melhor opção para prevenir e tratar a trombose em pacientes em quimioterapia, que podem estar trombocitopênicos ou debilitados.
Embora recentemente tenham sido mostrados equivalentes à heparina, não há evidências sólidas de que os DOACs (também conhecidos como NOACs, novel oral anticoagulants) sejam superiores. A vantagem dos anticoagulantes orais diretos é a administração oral, sem a necessidade de injeções frequentes. Portanto, há benefícios, mas não superioridade comprovada.
Isso se aplica tanto à prevenção quanto ao tratamento da trombose em pacientes com câncer.
Você também mencionou brevemente se a trombose pode ser um primeiro sinal de câncer. Essa é uma questão controversa. Com base na minha experiência clínica, às vezes a suspeita de câncer surge devido à presença de trombose.
No entanto, foi demonstrado que uma triagem extensiva para câncer em pacientes com trombose não provocada e sem diagnóstico prévio geralmente não vale a pena. Claro, se houver outros fatores de risco, como idade avançada, a preocupação é maior. Mas uma triagem ampla não é custo-efetiva e, mais importante, não impacta o curso do câncer que eventualmente se desenvolverá. Essa é a mensagem principal.
Outro ponto que você levantou é se a heparina de baixo peso molecular ou outros anticoagulantes são eficazes no tratamento do câncer. Há dados experimentais sugerindo que inibir a coagulação pode ajudar a evitar metástases.
Posso dizer que, embora não seja minha especialidade em termos de publicações, acompanho bem a literatura médica sobre o tema. Não vejo justificativa para administrar anticoagulantes, incluindo heparina, com o objetivo de prevenir o câncer.
Esses medicamentos são usados para profilaxia da trombose, não para controlar metástases ou eliminar o câncer em pacientes já diagnosticados. Os dados experimentais para terapia anticâncer com anticoagulantes, inicialmente promissores, foram bastante decepcionantes em estudos clínicos.
Não tenho certeza se todos compartilham dessa opinião, mas posso afirmar com convicção que não conheço nenhum tratamento melhor para o câncer do que as múltiplas drogas, cirurgia ou radioterapia—que podem incluir anticoagulantes para prevenir trombose, mas não a disseminação do câncer.
Essa é minha opinião sincera sobre esse tema crucial. Havia muitas expectativas, mas os estudos clínicos em humanos foram decepcionantes, e os anticoagulantes frequentemente causaram mais problemas do que aqueles que pretendiam prevenir.
Quanto à aspirina, seu efeito antiplaquetário tem alguns dados sugerindo que pode prevenir a formação de uma espécie de casulo ao redor de células cancerosas em metástase. Estatísticas de estudos com aspirina indicam uma possível redução de metástases em pessoas com câncer já estabelecido, mas isso ainda é especulativo.
Dr. Anton Titov, MD: Obrigado. Você mencionou a aspirina, que é um pouco diferente, por ser um agente antiplaquetário e não um anticoagulante.
Dr. Pier Mannucci, MD: A história da aspirina no câncer é mais significativa e promissora, embora ainda não consolidada. Muitas pessoas tomam aspirina por qualquer motivo, seja para prevenção primária ou secundária de doenças cardiovasculares. Dois grandes estudos com milhares de participantes observaram que aqueles que usaram aspirina regularmente tiveram menor incidência de câncer—especialmente do trato digestivo, como câncer de cólon, e também de bexiga.
Esses dados são promissores. Há estudos clínicos em andamento focados especificamente nessa questão, ainda não publicados. Se já houver outra indicação para o uso, tomar uma dose baixa de aspirina diariamente pode ajudar a prevenir o surgimento de câncer, particularmente gastrointestinal.
Acho bastante promissor. No entanto, para ser sincero, não prescreveria um medicamento com efeitos colaterais sem uma indicação clara. A aspirina é indicada para prevenção primária em pessoas com risco de trombose devido a outros fatores, ou como prevenção secundária após acidente vascular cerebral ou doença arterial coronariana. Esta é minha opinião pessoal.