Complicações após transplante cardíaco: disfunção primária do enxerto. 8

Complicações após transplante cardíaco: disfunção primária do enxerto. 8

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O renomado especialista em transplante cardíaco, Dr. Pascal Leprince, explica as principais complicações pós-transplante de coração, com ênfase na disfunção primária do enxerto. Ele detalha como a idade do doador e o diagnóstico do receptor influenciam significativamente o risco de falha do órgão transplantado e aborda o papel crucial do suporte circulatório mecânico, como a ECMO (oxigenação por membrana extracorpórea), na recuperação do novo coração.

Compreensão e Tratamento da Disfunção Primária do Enxerto Após Transplante Cardíaco

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Visão Geral das Complicações do Transplante Cardíaco

O Dr. Pascal Leprince, cirurgião especialista em transplante cardíaco, classifica as complicações pós-transplante em três categorias principais. A primeira inclui riscos cirúrgicos comuns a diversos procedimentos cardíacos complexos, como sangramento — com risco aumentado em pacientes submetidos a cirurgias torácicas prévias — e arritmias. O acidente vascular cerebral (AVC) é uma complicação cirúrgica menos frequente, porém grave.

O que é Disfunção Primária do Enxerto?

Uma complicação crítica e específica do transplante cardíaco é a disfunção primária do enxerto. Conforme explica o Dr. Pascal Leprince, trata-se da incapacidade do novo coração de funcionar adequadamente logo após a cirurgia, durante a retirada do paciente da circulação extracorpórea — etapa que exige um enxerto em pleno funcionamento. Sua incidência varia entre 5% e 25%, dependendo principalmente da experiência da equipe cirúrgica.

A gravidade da disfunção primária do enxerto pode variar. Casos mais leves podem exigir apenas medicação intravenosa temporária para auxiliar a contração cardíaca. Já os mais graves demandam suporte circulatório mecânico prolongado, a fim de manter a estabilidade do paciente enquanto o novo coração se recupera.

Fatores do Doador: Idade e Causa de Morte

As características do doador são um dos principais determinantes do risco de disfunção primária do enxerto. O Dr. Pascal Leprince ressalta uma diferença internacional relevante: a idade média do doador na França é de 44 anos, contra 33 anos nos Estados Unidos. Essa disparidade etária tem implicações significativas, pois doadores mais velhos frequentemente apresentam causas de morte distintas, sobretudo AVC.

Conforme explica o médico, um óbito por AVC sugere a presença de problemas vasculares subjacentes, como ateroma (placas de colesterol) nas artérias coronárias, o que pode comprometer a qualidade do enxerto. Em contrapartida, doadores mais jovens costumam falecer em decorrência de trauma — como acidentes automobilísticos ou ferimentos por arma de fogo —, situações que nem sempre afetam diretamente a integridade do tecido cardíaco.

Fatores do Receptor e Impacto da ECMO

Vale destacar que a condição clínica do receptor também influencia diretamente a ocorrência de disfunção do enxerto. O Dr. Pascal Leprince observa que muitos receptores estão em estado crítico antes da cirurgia, frequentemente com mais de duas semanas de internação em UTI, intubados e com disfunção renal. Cerca de 50% deles, em sua experiência, são estabilizados com ECMO (Oxigenação por Membrana Extracorpórea) antes do transplante.

Em colaboração com pesquisadores da Universidade Columbia, o médico investigou esse fenômeno. Estudos laboratoriais demonstraram que o soro de pacientes em ECMO pré-transplante pode induzir disfunção em células cardíacas. Esse achado confirma que o estado fisiológico gravemente inflamatório e estressado do receptor age como um agressor independente sobre o frágil coração transplantado.

Tratamento da Disfunção do Enxerto com Suporte Mecânico

Diante da alta prevalência de receptores em estado crítico e do uso de doadores mais idosos, o manejo da disfunção primária do enxerto tornou-se parte essencial do cuidado moderno em transplantes. Conforme relata o Dr. Pascal Leprince, sua equipe adota a ECMO de forma proativa no pós-operatório como suporte circulatório mecânico. O dispositivo auxilia a circulação sanguínea, proporcionando tempo e suporte vitais para a recuperação do enxerto cardíaco após o intenso estresse do transplante.

Essa estratégia é uma resposta direta à complexa interação entre fatores do doador e do receptor que levam à falha do enxerto. Ao antecipar a necessidade de suporte, o Dr. Pascal Leprince e sua equipe buscam melhorar os desfechos mesmo nos casos mais desafiadores.

Transcrição Completa

Dr. Anton Titov: Como cirurgião especialista em transplante cardíaco, quais efeitos adversos e complicações o senhor observa após o procedimento?

Dr. Anton Titov: O senhor coautorou diretrizes internacionais sobre problemas em corações transplantados.

Dr. Pascal Leprince: Há três tipos de complicações pós-transplante cardíaco. A primeira está relacionada ao ato cirúrgico em si. Podemos enfrentar as mesmas complicações de outras cirurgias cardíacas, como a revascularização miocárdica. O sangramento é um exemplo. Pacientes com múltiplas cirurgias prévias têm maior risco de sangramento.

Outras complicações incluem arritmias cardíacas e AVC (acidente vascular cerebral). O AVC é de baixa incidência, mas pode ocorrer.

Há, porém, uma complicação específica do transplante cardíaco: a falha primária do enxerto. Ela ocorre imediatamente após a cirurgia, em alguns pacientes.

Durante o transplante, o paciente está em circulação extracorpórea. O coração reinicia assim que o sangue percorre as artérias coronárias do enxerto. Em seguida, inicia-se o desmame da circulação extracorpórea.

Para isso, é essencial que o novo coração funcione adequadamente. Ocasionalmente, surgem problemas. Não é tão raro — a incidência varia de 5% a 25%, dependendo da qualidade da equipe cirúrgica.

Dr. Anton Titov: Às vezes, o novo enxerto apresenta disfunção e requer infusões intravenosas para melhorar a contratilidade cardíaca. Casos leves podem necessitar apenas de medicação venosa por alguns dias. Não se trata de uma disfunção grave.

Porém, em casos mais sérios, é preciso manter o paciente em suporte circulatório mecânico. A disfunção primária do enxerto não está relacionada a outras complicações; é uma falha intrínseca do coração transplantado.

É interessante notar que essa disfunção pode estar ligada ao próprio enxerto. Por exemplo, na França, a idade média do doador cardíaco é 44 anos, enquanto nos EUA é 33. Essa diferença é significativa.

Doadores mais velhos apresentam maior taxa de falha primária do enxerto. Isso ocorre não apenas pela idade, mas também pela causa da morte — em doadores idosos, predominam os AVCs.

Dr. Anton Titov: Já em doadores jovens, as principais causas de morte são trauma — como acidentes de carro, ferimentos por arma de fogo — ou suicídio.

Doadores mais velhos, por sua vez, frequentemente morrem por AVC, o que sugere problemas vasculares subjacentes, como ateroma (placas de colesterol) não apenas cerebral, mas também cardíaco. Isso ajuda a explicar as variações entre países nas taxas de falha primária do enxerto.

Dr. Pascal Leprince: Além dos fatores do doador, outra causa de disfunção do enxerto é o receptor. Temos uma colaboração com a Universidade Columbia, em Nova York, onde mostramos que o receptor pode ser o agente causador.

O enxerto cardíaco é muito frágil. O coração vem de um doador em morte cerebral — condição agressiva para os tecidos —, é então resfriado, transportado e transplantado. A reperfusão pelo sangue do receptor é também muito estressante.

Se o receptor passou 15 dias na UTI antes do transplante, intubado, com disfunção renal ou em ECMO, seu estado clínico já é bastante agressivo. Mostramos em laboratório que o soro de pacientes em ECMO pré-transplante pode induzir disfunção em células cardíacas. É fascinante.

Portanto, a falha do enxerto não se deve apenas ao histórico do doador, mas também ao do receptor.

Como utilizamos doadores mais idosos e transplantamos pacientes em estado crítico — cerca de 50% deles em ECMO prévia —, enfrentamos disfunção orgânica severa com frequência. Por isso, empregamos a ECMO também no pós-operatório, como suporte circulatório mecânico extracorpóreo, para auxiliar a circulação sanguínea e permitir que o enxerto se recupere.